sábado, 7 de janeiro de 2012

A PROFISSIONALIDADE DO PROFESSOR... DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Hugo Norberto Krug

Algumas considerações iniciais sobre a profissionalidade docente
        Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar a profissionalidade do professor... de Educação Física.
Neste direcionamento citamos Altet (2001), que coloca que os ofícios relacionados ao ensino existem há muito tempo, e podemos destacar algumas concepções antigas de profissionalismo do ensino e das formações ligadas a eles.
        Perrenoud (apud Altet, 2001), lembra que os professores são e sempre foram pessoas que exerciam um ofício, isto é, "profissionais", que existem diferentes modelos de profissionalismo ligadas ao ensino e que a corrente da profissionalização está simplesmente descrevendo um processo que se torna mais visível "à medida que, na educação, a colocação em prática de regras pré-estabelecidas cede lugar a estratégias orientadas por objetivos e por uma ética". É a passagem do ofício artesanal, em que se aplicam técnicas e regras, a uma profissão, em que cada um constrói suas estratégias, apoiando-se em conhecimentos e desenvolvendo sua especialização de ação na própria situação profissional, assim como sua autonomia.
        Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar algumas questões, entre elas as descritas a seguir.

Definição de professor profissional
        Para Altet (2001), o professor profissional é definido como uma pessoa autônoma, dotada de competências específicas e especializadas que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais, reconhecidos, oriundos da ciência, legitimados pela universidade, ou de conhecimentos explicitados, oriundos da prática. Quando sua origem é uma prática contextualizada, esses conhecimentos passam a ser autônomos e professados, isto é, explicitados oralmente de maneira racional, e o professor é capaz de relatá-los.

A profissionalidade
         De acordo com Charlot e Boutier (apud Altet, 2001) a profissionalização é constituída por um processo de racionalização dos conhecimentos postos em ação e por práticas eficazes em uma determinada situação. O profissional sabe colocar as suas competências em ação em qualquer situação; é o "homem da situação", capaz de "refletir em ação" e de adaptar-se, dominando qualquer nova situação. É um profissional admirado por sua capacidade de adaptação, sua eficácia, sua experiência, sua capacidade de resposta e de ajuste a cada demanda, ao contexto ou a problemas complexos e variados, bem como por sua capacidade de relatar os seus conhecimentos, seu savoir-faire e seus atos, justificando-os. Perrenoud (apud Altet, 2001) coloca mais fatores: que saiba jogar com as regras e manter uma relação com os conhecimentos teóricos que não seja reverente e dependente mas, ao contrário, crítico, pragmático e até mesmo oportunista; em resumo, que esse profissional seja autônomo e responsável (Altet, 2001).
        Altet (2001) diz que é esse modelo de profissionalismo que parece fundamentar atualmente o processo de profissionalização dos professores.

Modelos ou paradigmas de profissionalismo de ensino
        Segundo Altet (2001) podemos levantar quatro modelos diferentes de profissionalismos de ensino os respectivos modelos de formação que os construíram:
1) O professor MAGISTER ou MAGO - Modelo intelectual da Antiguidade, que considerava o professor como um mestre, um mago que sabe e que não necessita de formação específica ou de pesquisa, uma vez que seu carisma e suas competências retóricas são suficientes;
2) O professor TÉCNICO - Modelo que aparece com as escolas normais; a formação para o ofício ocorre por aprendizagem imitativa, com apoio na prática de um ensino várias vezes experimentado, que transmite o seu savoir-faire, os seus "truques"; o formador é um prático experiente e serve como modelo; as competências técnicas dominam;
3) O professor ENGENHEIRO ou TECNÓLOGO - Modelo que se apóia em aportes científicos trazidos pelas ciências humanas; ele racionaliza a sua prática, procurando aplicar a teoria; a formação é orientada por teóricos, especialistas do planejamento pedagógico e da didática; e,
4) O professor PROFISSIONAL ou REFLEXIVO - Neste modelo a dialética entre teoria e prática é substituída por um ir e vir entre "prática-teoria-prática"; o professor torna-se um profissional reflexivo, capaz de analisar as suas próprias práticas, de resolver problemas, de inventar estratégias; a formação apóia-se nas contribuições dos praticantes e dos pesquisadores; ela visa a desenvolver no professor uma abordagem das situações vividas do tipo "ação-conhecimento-problema", utilizando conjuntamente prática e teoria para construir no professor capacidades de análise de suas práticas e de metacognição.

A especificidade da profissão de professor
        Para Altet (2001) o professor profissional é, antes de tudo, um profissional da articulação do processo ensino-aprendizagem em uma determinada situação, um profissional da interação das significações partilhadas.
        Altet (2001) define o ensino como um processo inter-pessoal e intencional, que utiliza essencialmente a comunicação verbal e o discurso dialógico finalizado como meios para provocar, favorecer e levar ao êxito a aprendizagem em uma dada situação; é uma prática relacional finalizada. Ensinar é fazer aprender e, sem a sua finalidade de aprendizagem, o ensino não existe. Porém, este "fazer aprender" se dá pela comunicação e pela aplicação; o professor é um profissional da aprendizagem, da gestão de condições de aprendizagem e da regulação interativa em aula.
        A dificuldade do ato de ensinar está no fato de que ele não pode ser analisado unicamente em termos de transmissão de conteúdos e de métodos definidos a priori, uma vez que são as comunicações verbais em aula, as interações vivenciadas, a relação e a variedade das ações em cada situação que permitirão, ou não, a diferentes alunos, o aprendizado em cada intervenção. Assim, as informações previstas são regularmente modificadas de acordo com as reações dos alunos; da evolução da situação pedagógica e do contexto. O que constitui a especificidade do ensino é que ele se trata de um "trabalho interativo". Esta é a razão pela qual o ensino pode também ser concebido como um processo de tratamento da informação e da tomada de decisões em aula, no qual o pólo da dimensão relacional e da situação vivida com o aluno em determinado contexto é tão importante quanto o pólo do conhecimento propriamente dito. É por isso que, a o modelo pedagógico triangular professor-alunos-conhecimento, Altet (2001) prefere um modelo dinâmico que comporta quatro dimensões em interação recíproca em uma situação ensino-aprendizagem: alunos-professor- conhecimento-comunicação.
        É no interior dessa vivência interativa de comunicação, em uma situação contextualizada, complexa e incerta de ensino-aprendizagem finalizada, com alunos específicos, que se realizam as tarefas do professor. Daí a dificuldade de defini-las inteiramente e de tê-las todas previstas antecipadamente. O professor pode planejar, preparar seu roteiro, mas continua havendo uma parte de "aventura", ligada aos imprevistos que tem origem nessas ações em andamento e no desconhecido proveniente das relações dos alunos. Isto requer uma grande quantidade de tomada de decisões, uma mobilização dos conhecimentos dentro da ação e, até mesmo, uma modificação de decisões na ação em aula (Altet, 2001).
        O que as torna as tarefas do ensino específicas é o fato de que estas cobrem dois campos de práticas diferentes, mas interdependentes; por um lado, o da gestão da informação, da estruturação do saber pelo professor e de sua apropriação pelo aluno, que é o domínio da Didática; por outro lado, o campo do tratamento e da transformação da informação transmitida como saber para o aluno, através da prática relacional, e as ações do professor para colocar em funcionamento condições de aprendizagem adaptadas, que é o domínio da Pedagogia (Altet, 2001).
        A Pedagogia concorre para a transformação da informação em saber através de trocas cognitivas e sócio-afetivas trazidas pelo professor por meio de interações, retroações, ajustes, adaptações inter-pessoais e aplicações em situação de aula, durante o tempo real em que ocorre a intervenção (Altet, 2001). Segundo Tochon (apud Altet, 2001) o fato pedagógico refere-se à organização da relação social, aos conhecimentos e a gestão do grupo. Ele se desenvolve no "tempo sincrônico" do ensino, enquanto o fato didático pertence à ordem da "diacromia", do tempo fictício da antecipação dos conteúdos. Assim, para Leinhandt (apud Altet, 2001) pode-se falar da "dupla jornada do professor". De fato, em sua prática de aula, todo professor exerce duas funções ligadas entre si e complementares, as quais abrangem diferentes tipos de tarefas:
1) Uma função didática de estruturação e gestão de conteúdos; e,
2) Uma função pedagógica de gestão e regulação interativa dos conteúdos em aula.
        Esses dois campos de prática articulam-se de maneira funcional na ação em situações complexas, mobilizando conhecimentos e competências profissionais plurais e de diferentes tipos. Trata-se, pois, de identificar a sua natureza para tentar restituir o seu funcionamento. Como os conhecimentos e as ações estão ligados no trabalho profissional do professor? Os conhecimentos profissionais são conhecimentos SOBRE a ação, DA ação ou EM ação? Esses conhecimentos profissionais são "conhecimentos-em-ação do sujeito", ou fontes cognitivas mobilizáveis para a ação graças à "esquemas de pensamento" ou "habitus" que articulam diversos esquemas.

Aspectos integrantes da profissionalidade docente
        Segundo Chakur (2001) existem alguns aspectos integrantes da profissionalidade docente. São eles:
a) Competência em habilidades técnico-pedagógicas - que se revelam, basicamente nas tarefas técnicas do ensino (definir objetivos, organizar conteúdos, eleger procedimentos, selecionar materiais e recursos didáticos, planejar atividades para os alunos e preparar e aplicar instrumentos de avaliação);
b) Competência em habilidades psicopedagógicas - exigida, geralmente, na relação professor- aluno e que se mostra, por exemplo, na interação com personalidades e comportamentos distintos e com conflitos intra e inter-geracionais, constantemente presentes na dinâmica da aula;
c) Responsabilidade social - manifesta, por exemplo, no preparo das novas gerações para a convivência democrática e para o exercício da cidadania;
d) Comprometimento político - referente ao comportamento do professor com o aspecto ideológico ou doutrinário da educação, na defesa seja do “status quo” ou, inversamente, das transformações sociais; inclui-se aí também a participação do professor em movimentos políticos em defesa da categoria;
e) Engajamento na rotina institucional - que tem a ver com o conhecimento e cumprimento das normas das instituições que regulam a sua função, como as de freqüência, horários, elaboração de documentos, preenchimento de papeletas, formulários, etc; e
f) Investimento na própria formação - incluindo cursos, palestras, leituras, eventos culturais ou científicos, encontros, etc., que fornecem informações e conhecimentos pertinentes não só a tarefa pedagógica, mas também ao exercício profissional em geral.
        A autora destaca que com este rol, não quer esgotar os vários papéis que cabe ao professor realizar. Também não significa que cada professor individualmente cumpra de fato cada um desses papéis. Pensa que, ao invés de qualificar o profissional de "bom" ou "mau", é uma questão do grau em que cada um desses aspectos é atendido.

Modelo de análise da profissionalização docente
        Nóvoa (1995) preocupado com o processo histórico da constituição da profissão docente, propõe um modelo de análise que inclui quatro etapas, duas dimensões e um eixo estruturante, alertando para o fato de que os focos de análise podem sofrer mudanças históricas e contextuais.
        Não obedecendo necessariamente a uma ordem seqüencial, as etapas da profissionalização docentes são as seguintes:
a) Exercício a tempo inteiro (ou como ocupação principal) da atividade docente;
b) Estabelecimento de um suporte legal para o exercício da atividade docente;
c) Criação de instituições específicas para a formação de professores; e
d) Constituição de associações profissionais de professores.
        Quanto às dimensões, Nóvoa (1995) indica a construção de um corpo de conhecimentos e de técnicas que qualificam o exercício profissional e a elaboração de um conjunto de normas e valores reguladores da vida profissional.
        O eixo do estatuto social e econômico dos professores perpassa todas as etapas e dimensões, sendo responsável pela imagem profissional de (des)prestígio social e econômico dos professores.

Algumas considerações finais sobre a profissionalidade docente
        Segundo Chakur (2001) a literatura tem registrado, ultimamente, tentativas de definir com maior clareza a profissionalidade docente, o que é específico do “ser professor”.
        Entretanto, destacamos que isto não tem sido fácil.
        Dizemos isto porque, por exemplo, Gimeno Sacristán (1995; 1998a; 1998b) e Imbernón (1994) referem-se à docência como uma semi-profissão, quando comparada, de uma perspectiva sociológica, com outras profissões liberais clássicas. As especificidades das práticas e o monopólio das regras e dos conhecimentos da atividade em questão são critérios que não se aplicam totalmente à função docente, segundo estes autores.
        De fato, a atividade educativa não é exclusiva do professor. Família, instituições religiosas e grupos informais, por exemplo, atuam igualmente neste campo. Também não há regras muito precisas para a regulação da prática docente, nem formas generalizáveis de relacionamento entre conhecimento e ação pedagógica do professor. Além disso, não se pode dizer que o professor exerce sua atividade com a autonomia, integridade, responsabilidade e identidade necessárias, características de um profissional (Popkewitz, 1995).
        Estas questões levantadas sobre a profissionalização docente ainda impulsionam para novos estudos.

Referências
ALTET, M. As competências do professor profissional: entre conhecimentos, esquemas de ação e adaptação, saber analisar. In: PERRENOUD, P. et al. (Orgs.). Formando professores profissionais: Que estratégias? Quais competências? 2 ed., Porto Alegre: ArtMed, 2001. p.23-34.

CHAKUR, C.R. de S.L. Desenvolvimento profissional docente: contribuições de uma leitura piagetiana. Araraquara: JM Editora, 2001.

GIMENO SACRISTÁN, J. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2 ed., Porto Editora, 1995. p.63-92.

GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed., Porto Alegre: ArtMed, 1998a.

GIMENO SACRISTÁN, J. Plano do currículo, plano do ensino: o papel dos professores/as. In: GIMENO SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A.I. Compreender e transformar o ensino. 4 ed., Porto Alegre: ArtMed, 1998b. p.197-231.

IMBERNÓN, F. La formación y el desarrollo profesional del profesorado: hacia uma nueva cultura profesional. Barcelona: Grão, 1994.

NÓVOA, A. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2 ed., Porto Editora, 1995. p.9-32.

POPKEWITZ, T.S. Profissionalização e formação de professores: algumas notas sobre a sua história, ideologia e potencial. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. 2 ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p.35-50.

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