Hugo Norberto Krug
Algumas considerações iniciais sobre o desenvolvimento profissional do docente
Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar o desenvolvimento profissional do professor... de Educação Física através de partilha de saberes.
Neste direcionamento destacamos que, hoje em dia, várias discussões estão ocorrendo sobre práticas docentes inovadoras e suas conseqüentes aplicações. Desta forma, existe também a necessidade de se prestar atenção às mudanças processadas na Educação brasileira e de provocar reflexões à obtenção de uma visão mais rica de desenvolvimento profissional docente, para atender a demanda das exigências da sociedade atual.
Segundo Nóvoa (1995) a formação deve estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Nesse sentido, devemos valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas.
A esse respeito, Pimenta (2000, p.31) esclarece que:
A formação de professores na tendência reflexiva se configura como uma política de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores e das instituições escolares, uma vez que supõe condições de trabalho propiciadoras da formação como contínua dos professores, no local de trabalho, em redes de auto-formação, e em parceria com outras instituições de formação. Isso porque trabalhar o conhecimento na sociedade da multimídia, da globalização, da multiculturalidade, das transformações nos mercados produtivos, na formação dos alunos, crianças e jovens (...) requer permanente formação, entendida como resignificação identitária dos professores".
Para Sá-Chaves (2001, p.94) a reflexão é a capacidade de produzir novas formas de humanização, porque, da humanização, é que emerge "a dimensão do agir coletivo, capaz de congregar energias e saberes, capaz de gerir as dissonâncias conceituais, práticas e pessoais".
Conforme Nóvoa (1992) a prática da formação, tanto inicial como continuada, precisa centrar-se em uma perspectiva de formação-ação, pois a formação não é qualquer coisa prévia à ação, mas que está e acontece na ação. Ou seja, toda prática de formação necessita partir do triplo movimento proposto por Schön (1995) - a reflexão antes, durante e após a ação. Tanto a formação inicial como na formação continuada, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática, pois "é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática" (Freire, 1998, p.43-44).
Na perspectiva de Nóvoa (1995) a auto-formação participada torna-se relevante à medida que a formação é assumida como um processo interativo e dinâmico, e a partilha de experiências e saberes consolidam espaços de formação mútua. Nessa orientação, a auto-formação "(...) envolve uma estratégia pessoal, heurística, em que a experimentação e a reflexão como elementos auto-formativos desempenham um papel de primordial importância e assenta na idéia de que ninguém pode educar o formando se ele não se souber educar a si próprio" (Alarcão, 1996, p.20).
É nesse confronto e num processo coletivo de partilha de experiências que os professores vão constituindo seus saberes, uma vez que reelaboram os conhecimentos iniciais em confronto com suas experiências práticas (Pimenta, 2000). O trabalho coletivo evidencia que cada professor-participante é importante um para o outro tanto quanto o mediador, pois o grupo é o meio pelo qual podem emergir no mundo aprendendo novos hábitos de pensamento e ação (Schön, 1998).
Na opinião de Pérez Gómez (2001) a partilha de saberes requer a participação de vários profissionais que vão se integrando no processo de indagação e diálogo, e, este processo é um instrumento privilegiado de desenvolvimento profissional, porque exige um momento de reflexão cooperativa; porque enfoca a análise conjunta de meios e fins na prática; porque propõe a transformação da realidade mediante a compreensão prévia e a participação dos agentes no planejamento, no desenvolvimento e na avaliação de estratégias de mudança; porque propicia, enfim, um clima de aprendizagem profissional baseado na compreensão e orientação para facilitá-la.
Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar mais detalhadamente o desenvolvimento profissional do docente através de partilha de saberes.
O desenvolvimento profissional do docente através de partilha de saberes
Segundo Little (apud Maroto, 1993) o desenvolvimento profissional é facilitado quando os professores conversam entre si sobre as suas práticas docentes.
Rosenholtz (apud Sanchez, 1993) destaca a importância do grupo como meio para favorecer o processo de maturação pessoal do professor introduzindo-o em uma dinâmica de trabalho baseada no apoio mútuo, nos diálogos interpessoais e nas interações sociais, rompendo o tradicional isolamento dos professores que certamente constituem num dos principais obstáculos para o aperfeiçoamento da função docente.
Xavier (1996) salienta que as idéias de melhora, de mudança de qualidade educativa, de aperfeiçoamento, nos colocam frente ao termo inovação como fenômeno essencial em todo o processo de mudança, surgindo na maioria das vezes da confrontação entre a realidade que temos e a que queremos, ou ainda, frente a situações problemáticas e a necessidade de resolvê-las.
Para Escudero (apud De La Torre, 1995) inovação é o conjunto de dinâmicas explícitas que pretendem alterar idéias, concepções, metas, conteúdos e práticas, em alguma dimensão renovadora a partir da existente.
De acordo com Diàz (1993) é através das mudanças que podemos falar em desenvolvimento profissional concebendo-o como um processo contínuo em que as necessidades dos professores mudam conforme seus contextos e as diferentes etapas de sua carreira. Falar de desenvolvimento profissional é também falar em melhoria da capacidade do docente para compreender os processos de ensino-aprendizagem e para resolver situações problemáticas que se apresentam diariamente nas aulas, entendendo desenvolvimento como processo de constante aprendizagem.
Xavier (1996) destaca que o professor ao assumir uma postura de investigador-inovador em sua aula, amplia sua capacidade de auto-análise, auto-reflexão e auto-aprendizagem que são os elementos de auto-desenvolvimento profissional autônomo.
Pérez Gómez (1992) diz que o profissional competente atua refletindo na e sobre a sua ação, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa mesma realidade.
Para Xavier (1996) o professor que não faz uma reflexão crítica do próprio trabalho, tem como implicação um retrocesso dos resultados, em todos os aspectos do ensino, da aprendizagem, da docência, da sua planificação, preparação e realização. Ressalta ainda que num processo interativo de reflexão entre professores, com base na relação de reciprocidade e diálogo profissional por meio de uma colaboração crítica, fomentamos a capacidade de explorar, compreender e transformar nosso próprio pensamento acerca dos meios e dos fins do ensino, servindo para examinar, entender e desafiar as condições da docência. É um processo de auto-melhora em que se presta assessoramento, baseado em uma relação de reciprocidade e de diálogo profissional, representando uma alternativa aos modos tradicionais de avaliação. É uma revisão crítica à docência, uma reconstrução do ensino onde o tipo de conhecimento, base em que se apóia a aprendizagem que promove, é o próprio conhecimento, teorias e experiência docente sobre seu ensino.
Nesta perspectiva, as pessoas trabalham para a melhora de suas próprias práticas, e de modo secundário, pelas práticas de outras pessoas através da reflexão, onde neste processo os professores, são agentes de sua própria mudança, de seu crescimento pessoal e profissional, desenvolvendo habilidades e competências enriquecendo sua capacidade para resolver problemas melhorando sua prática educativa (Xavier, 1996).
Xavier (1996) ressalta ainda que através de práticas reflexivas, de investigação sobre sua prática e de diálogo cooperativo, redefine o professor seus próprios conhecimentos, adquire destrezas técnicas e reconduz a gestão da aula de maneira que se melhore o processo ensino-aprendizagem.
Neste sentido, Pérez Gómez (1992) considera importante a criação de redes de auto-formação participada, que permitam compreender a globalidade do sujeito assumindo a formação como um processo interativo e dinâmico. A partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar o papel de formador e de formando, pois o diálogo entre professores é imprescindível para consolidar saberes emergentes da prática profissional.
Maroto (1993) põe em relevo que a melhora da prática educativa necessita partir de uma avaliação interativa dos processos de ensino-aprendizagem que ocorrem nas aulas. O desenvolvimento profissional cooperativo tem como princípios básicos a colaboração, reciprocidade e assessoramento, bem como a utilização de uma metodologia sistemática de caráter cíclico para recolher dados, analisá-los e realizar propostas sobre o ensino em situações reais.
Esta autora enfatiza que é preciso estabelecer-se nas escolas um clima de colaboração, que seja oposta ao individualismo, ao companheirismo artificial carentes de compromissos reais, combatendo a existência de professores competitivos. Destaca ainda que com uma postura colaborativa refletindo e investigando em equipe os problemas que dizem respeito aos docentes, em seus próprios contextos, teremos uma melhoria no clima de trabalho, produzindo-se um ambiente de apoio, coesão, intercâmbio e comunicação onde os professores reconstruiriam suas idéias e capacidades pedagógicas, revisando e questionando sua realidade e suas práticas, projetando e desenvolvendo esquemas alternativos e melhores para os professores e resultados de ensino e aprendizagem dos alunos.
O desenvolvimento profissional, através de partilha de saberes, poderá inicialmente centrar-se no diálogo profissional favorecendo a reflexão pessoal sobre o processo de ensino através do relato das experiências vividas, da expressão de opiniões, de crenças e sentimentos, da manifestação das percepções sobre os problemas da docência, do planejamento, de desejos e aspirações do professor (Xavier, 1996).
Sánchez (apud Nóvoa, 1992), como recomendações práticas para facilitar o trabalho colaborativo, propõe que se aborde quatro grupos de questões básicas, que são: a) refletir sobre a natureza da aula, isto é, acontecimentos e sentimentos que facilitem o conhecimento do contexto. Em outras palavras, como percebe o professor a sua aula, que variáveis caracterizam a vida das aulas; b) dentro do contexto da aula, narrar "como penso e como atuo", "que mais me agrada e o que mais me desagrada" e "porque", "que percepções e vivências estão mais presentes em minha experiência cotidiana"; c) analisar, examinar a própria vida pessoal e profissional, para entender que processos vivem o professor para ensinar como ensina, que acontecimentos ou circunstanciais influi nos planejamentos e forma de atuar; e, d) refletir sobre o que quer para o futuro, o que quer mudar, que professor quer ser, como gostaria de atuar como docente, que metas tem, que experiências gostaria de compartilhar.
De acordo como Martinez (apud Diàz, 1993), o processo de desenvolvimento profissional do docente através de partilha de saberes vai se construindo à medida que avança o processo, mas é preciso que se preveja alguns momentos, tais como:
1) Organização do grupo, estabelecimento de metas e critérios comuns, gerando no grupo processos de comunicação satisfatórios que possibilitem a tarefa que desejam alcançar;
2) Desenvolvimento do problema, ou seja, focalizar o problema que se pretende resolver;
3) Formulação do plano de ação, elaborando estratégias orientadas para o alcance de metas determinadas, planificando a ação da mudança desejada;
4) Aplicação do planejado, ou seja, o momento da ação, registrando dados, problemas e reflexões produzidos na ação; e
5) Na medida em que se produz a mudança desejada elaboraremos as conclusões e o planejamento de uma nova mudança se considerarmos necessário, conveniente e oportuno. Em caso contrário tende-se a revisar o processo e o planejar de novas estratégias.
Algumas considerações finais sobre o desenvolvimento profissional do docente
Segundo Marcelo Garcia (1992), John Dewey foi o precursor da concepção do ensino reflexivo, entendendo a aquisição do saber como fruto da reconstrução da atividade humana a partir de um processo de reflexão sobre a experiência, continuamente repensada e reconstruída. Assim, como ele, diversos autores tem identificado três tipos de atitudes necessárias para um ensino reflexivo: mentalidade aberta, responsabilidade intelectual e entusiasmo. Tais atitudes configuram-se como sendo o foco da formação de professores, que propicia a possibilidade de aquisição de um pensamento comum e/ou próprio de práticas reflexivas.
Toda a diversidade de idéias apresentadas a respeito da formação de professores reflexivos reforça uma nova abordagem para o processo de formação, que supera as barreiras do tradicional remetendo-se a um trabalho contextualizado, coletivo, interativo e dinâmico, com vistas a despertar no professor em formação o interesse pelo aprender a pensar em rede, em que "ele comporta-se mais como um pesquisador tentando modelar um sistema especializado do que como um especialista cujo comportamento é modelado" (Schön, 1998, p.39). Esta visão alicerça-se no pressuposto de que o conhecimento é construído nas interações e vivências sociais e na busca de respostas às perguntas interpessoais (Vygotsky, 1988).
Em consonância com essa idéia, Nóvoa (1992) esclarece que a formação exige reflexividade crítica:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal, por isso é tão importante investir na pessoa e dar estatuto ao saber da experiência" (p.25).
Para finalizar, lembramos que, nesta perspectiva de desenvolvimento profissional através de partilha de saberes, os docentes buscam uma profissionalidade via processo de ação e de reflexão colaborativa, de indagação, na qual o professor aprende a ensinar e ensina porque aprende, intervindo para mediar e não para impor nem substituir a compreensão dos alunos e, ao realizar reflexões a respeito das intervenções, exerce e desenvolve sua própria compreensão. Assim, os docentes concebem sua prática como um processo de interminável e aberta reflexão e ação compartilhada.
Referências
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