domingo, 8 de janeiro de 2012

O MAL-ESTAR DO PROFESSOR... DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Hugo Norberto Krug

Algumas considerações iniciais sobre o mal-estar docente
        Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar o mal-estar do professor... de Educação Física, seus indicadores, conseqüências e estratégias para evitá-lo.
        Neste direcionamento citamos Esteve (1999) que coloca que a rápida transformação do contexto social é um dos modificadores do papel docente e causadores do mal-estar docente.
        O autor destaca que um dos fatores que desencadeia o mal-estar docente é gerado pelas múltiplas exigências atuais que desestabilizou o professor de seu estado acadêmico, antes consagrado pelo status que a profissão lhe conferia, formando, o que se chama "ruptura de imagem do professor".
        Segundo Esteve (1992) o mal-estar docente caracteriza-se por "uma autêntica crise de identidade coletiva dos professores". O "desconcerto" sobre os objetivos, os conteúdos e os métodos de seu trabalho, unido a pouca valorização material, e ao baixo reconhecimento social de seu trabalho, os têm conduzido a uma situação de mal-estar verificável em suas manifestações verbais e em suas atitudes diante do ensino.
        Nóvoa (1992) diz que a crise de identidade dos professores arrasta-se há longos anos e não se vislumbram perspectivas de superação em curto prazo.
        Entretanto, para Esteve (1992), sem dúvida, temos visto crescer a preocupação com o mal-estar docente nos últimos anos, a ponto de existirem numerosas referências nas principais bases de dados sobre educação. A expressão mal-estar docente emprega-se para descrever os efeitos permanentes, de caráter negativo, que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que exerce a docência, devido à mudança social acelerada.
        Jesus (1997) afirma que o mal-estar docente é um fenômeno atual e grave atingindo professores de diversos países, e diz ainda que é um fenômeno complexo no qual estão envolvidos múltiplos fatores. Para efeito de sistematização situa estes fatores no plano sócio-político, no plano da formação de professores e no plano da atuação dos professores. Os sintomas do mal-estar docente estão claramente personificados nas greves, nas faltas, nos atestados se saúde e outras tantas formas de justificar a ausência no local de trabalho.
        De acordo com Costa (2001) nenhum professor, entre eles o da disciplina de Educação Física, estão imunes ao mal-estar docente que poderá estar mascarado ou presentificado em atitudes, gestos e palavras que muitas vezes se revelam como algo merecedor de um olhar mais profundo.
        Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar algumas questões, entre elas as descritas a seguir.

Indicadores do mal-estar docente
        Blase (apud Esteve, 1999) classifica os possíveis fatores que configuram a presença do mal-estar do educador em:
1) Fatores primários - referem-se aos que incidem diretamente sobre a ação do professor em sala de aula, gerando tensões associadas a sentimentos e emoções negativas. Estes fatores constituem a base empírica do mal-estar docente. São três os principais tipos de fatores primários: a) Os recursos materiais e as condições de trabalho; b) O esgotamento docente devido a acumulação de exigências sobre o professor; e, c) A violência nas instituições escolares; e,
2) Fatores secundários - referem-se às condições ambientais, ao contexto em que se exerce a docência. A ação destes fatores é indireta, afetando a eficácia docente ao promover uma diminuição da motivação do professor em seu trabalho, de sua implicação e de seu esforço. Estes fatores isolados, tem apenas significado intrínseco, mas, quando se acumulam, influem fundamentalmente sobre a imagem que o professor tem de si mesmo e de seu trabalho profissional, gerando uma crise de identidade que pode chegar, inclusive à auto-depreciação do ego. São cinco os principais tipos de fatores secundários: a) A modificação do papel do professor e dos agentes tradicionais de socialização; b) As contestações e contradições da função docente; c) As modificações do apoio do contexto social; d) Os objetivos do sistema de ensino e o avanço do conhecimento; e, e) A imagem do professor.
        Já para Jesus (1997) o mal-estar docente pode manifestar-se através de diversos sintomas nos planos biofisiológico, no plano comportamental e/ou no plano cognitivo. Este conjunto de sintomas pode ocorrer devido à dificuldade do professor em fazer face as exigências que lhe são colocadas pela sua profissão, excedendo a sua capacidade de resposta. É o resultado de um processo em que se pode distinguir três etapas: primeiro, as exigências profissionais do professor excedem os recursos adaptativos do mesmo, provocando stress; segundo, o professor tente corresponder a essas exigências, aumentando o seu esforço; terceiro, e por fim, aparecem os sintomas que caracterizam o mal-estar propriamente dito. Neste sentido, o mal-estar constitui a última fase de um processo de confronto com exigências profissionais que ultrapassam os recursos adaptativos do professor.
        O processo de desenvolvimento do bem/mal-estar docente aparece descrito na figura a seguir.



Desafioè Potencial fator de mal-estarçProblema
ê  (exigências profissionais)   ê
ê
"Reação de alarme"
(percepção da situação)
ê
Resistência
(tentativa de lidar com a situação)
                                                  í                               î
                                  "Coping" (eutress)                             "Exaustão" (distress)
                             (resolução do problema)                      (tensão muito elevada e/ou
                                                                                     durante demasiado tempo)
                                          ê                                                        ê
                        Optimização do funcionamento                     Sintomas de mal-estar
                                        adaptativo


Figura 1. Processo de desenvolvimento do mal-estar docente (Jesus, 1997, p.60).

Conseqüências do mal-estar docente
        Nóvoa (1992) destaca que as conseqüências da situação de mal-estar que atinge o professorado são as seguintes: a) desmotivação pessoal e elevados índices de absentismo e de abandono; b) insatisfação profissional traduzida numa atividade de desenvestimento e indisposição constante; c) recurso sistemático a disensor-álibi de desestabilização; d) ausência de uma reflexão crítica sob a ação profissional; e, e) outras.
        Salienta ainda que esta espécie de auto-depreciação é acompanhada por ser um sentimento generalizado de desconfiança em relação às competências e à qualidade do trabalho dos professores alimentados por círculos intelectuais e políticos que dispõem de um importante poder simbólico nas atuais culturas de informação.
        Já Esteve (1999) em uma vertente psicológica, destaca que existe uma escala de repercussões de mal-estar docente sobre a personalidade dos professores. Defende a idéia de que os professores ante o mal-estar colocam em jogo diversos mecanismos de defesa que servem para aliviar a tensão. Em ordem crescente e do ponto de vista qualitativo, mas decrescente em respeito ao número de professores afetados, o autor, gradua as principais conseqüências do mal-estar docente da seguinte maneira:
1) Sentimento de desconforto e insatisfação diante dos problemas reais da prática de ensino, em contradição com a imagem ideal;
2) Solicitações de transferências como modo de fugir de situações conflitivas;
3) Desenvolvimento de esquemas de inibição com a forma de diminuir a implicação pessoal com o trabalho que realiza;
4) Desejo manifesto de abandonar a docência;
5) Ausência do trabalho, como mecanismo para diminuir a tensão acumulada;
6) Esgotamento como conseqüência da tensão acumulada;
7) Stress;
8) Ansiedade como sintoma;
9) Depreciação do eu. Autoculpabilização diante da incapacidade para ter êxito no ensino;
10) Neuroses reativas;
11) Depressão; e,
12) Ansiedade como estado permanente, associado como causa-efeito a diversos diagnósticos de enfermidade mental.

Algumas considerações finais: como evitar o mal-estar docente
        Nóvoa (1992) destaca que também é preciso contar o outro lado da história, que apesar de tudo, o prestígio da profissão docente permanece intacto. A confirmação desse fato é dada por sondagens publicadas com alguma freqüência na imprensa e por relatórios diversos sobre as situações dos professores: nuns e noutros casos a imagem da profissão docente é bastante positiva, nomeadamente no confronto com outras atividades profissionais. Por outro lado, é inegável que as sociedades contemporâneas já compreenderam que o desenvolvimento sustentável exige a realização de importantes investimentos na educação.
        Este paradoxo, para Nóvoa (1992), é explicado pela existência de uma brecha entre a visão idealizada e a realidade concreta do ensino. É nesta falha que se situa o epicentro da crise da profissão docente, que pode ser útil se soubermos apreender na sua acepção original, assumindo-a como espaço para tomar decisões sobre os percursos de futuro dos professores.
        Segundo Esteve (1992) a expressão mal-estar docente aparece como um conceito da literatura pedagógica que pretende resumir o conjunto de reações dos professores como grupo profissional desajustado devido à mudança social.
        Esteve (1992) destaca que o estudo do mal-estar docente como efeito de mudança social não deve entender-se como exercício de auto-complacência face aos males do ensino. Tem três funções bem precisas:
1) A de ajudar os professores a eliminar o desajustamento. Se as circunstâncias mudaram, obrigando-os a repensar o seu papel como professores, uma análise precisa da situação em que se encontram ajuda, sem dúvida, a dar respostas mais adequadas às novas interrogações. Provavelmente, muitas questões são de difícil solução no âmbito da atuação individual de um professor isolado, mas, mesmo neste plano, um conhecimento mais exato do problema pode contribuir para evitar o desajustamento;
2) O estudo da influência da mudança social sobre a função docente pode servir como chamada de atenção à sociedade, para que compreenda as dificuldades com que se debatem os professores. Um elemento importante no desencadear do mal-estar docente é a falta de apoio, as críticas e demissão da sociedade em relação às tarefas educativas, tentando fazer do professor o único responsável pelos problemas do ensino, quando estes são problemas sociais que requerem soluções sociais; e,
3) Só a partir do estudo do modo como a mudança social gera o mal-estar docente, é possível traçar linhas de intervenção que superem o domínio das sugestões, situando-se num plano de ação coerente, com vista à melhoria das condições em que os professores desenvolvem seu trabalho.
        Esteve (1992) ressalta que para reverter o quadro do mal-estar docente, é preciso atuar simultaneamente, em várias frentes: formação inicial, formação contínua, material de apoio, relação "responsabilidades-horário de trabalho-salário".
        O mesmo Esteve (1999) indica que, para reduzir os efeitos negativos do mal-estar docente é preciso em primeiro lugar, um trabalho preventivo que retifique enfoques e incorpore novos modelos no período de formação inicial. Em segundo lugar, articular estruturas de ajuda para o professor em exercício.

Referências

COSTA, F.T.L. da. Implicações do mal-estar docente: estudo comparativo entre professores e professoras da Universidade de Cruz Alta, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação / Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2001.

ESTEVE, J.M. Mudanças sociais e função docente. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2. ed., Porto: Porto Editora, 1992. p. 93-124.

ESTEVE, J.M. O mal-estar docente - a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru: EDUSC, 1999.

JESUS, S.N. Bem-estar dos professores - estratégias para realização e desenvolvimento profissional. Coimbra: FIG, 1997.

NÓVOA, A. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. 2. ed., Porto: Porto Editora, 1992. p. 9-32.

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