Hugo Norberto Krug
Algumas considerações iniciais sobre as novas competências profissionais do professor para ensinar
Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar as novas competências profissionais do professor... de Educação Física para ensinar propostas por Perrenoud (2000).
Neste direcionamento citamos Meirien (apud Perrenoud, 2000) que coloca que temas como a prática reflexiva, profissionalização, trabalho em equipe e por projetos, autonomia e responsabilidade crescentes, pedagogias diferenciadas, centralização sobre os dispositivos e sobre as situações de aprendizagem, sensibilidade à relação com o saber e com a lei, delineiam um roteiro para um novo ofício.
Perrenoud (2000) destaca que este roteiro surge relacionado a uma crise, em um tempo em que os professores tendem a se voltar para sua turma e para as práticas que se mostraram válidas. Entretanto, no estado em que se encontram as políticas e as finanças públicas dos países desenvolvidos, não seria conveniente criticá-los por isso. No entanto, pode-se esperar que inúmeros professores aceitem o desafio, por recusarem a sociedade dual e o fracasso escolar que a prepara, por desejarem ensinar e levar a aprender a despeito de tudo.
Decidir na incerteza e agir na urgência (Perrenoud, 2000); essa é uma maneira de caracterizar a especialização dos professores, que de três profissões fazem uma,”impossíveis”, porque o aprendiz resiste ao saber e à responsabilidade. Essa análise da natureza e do funcionamento das competências está longe de terminar. A especialização, o pensamento e as competências dos professores são objeto de inúmeros trabalhos, inspirados na ergonomia e na antropologia cognitiva, na psicologia e na sociologia do trabalho, bem como na análise das práticas.
Assim, o autor ao falar de competências profissionais, privilegia aquelas que emergem atualmente. Aborda as habilidades mais evidentes, que permanecem atuais para “dar aula”. Enfatiza o que está mudando e, portanto, as competências que representam mais um horizonte do que um conhecimento consolidado.
Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar mais detalhadamente as novas competências profissionais do professor para ensinar.
As dez competências de referência reconhecidas como prioritárias na formação contínua dos professores e suas respectivas competências mais específicas
1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
●Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem;
●Trabalhar a partir das representações dos alunos;
●Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem;
●Construir e planejar dispositivos e seqüências didáticas; e,
●Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento.
2) Administrar a progressão das aprendizagens.
●Conhecer e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos;
●Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino;
●Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem;
●Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa; e,
●Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão.
3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
●Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma;
●Abrir, ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto;
●Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades; e,
●Desenvolver cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo.
4) Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho.
●Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto-avaliação;
●instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos;
●Oferecer atividades opcionais de formação, à la carte; e,
●Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno.
5) Trabalhar em equipe.
●Elaborar um projeto de equipe, representações comuns;
●Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões;
●Formar e renovar uma equipe pedagógica;
●Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais; e,
●Administrar crises ou conflitos inter-pessoais.
6) Participar da administração da escola.
●Elaborar, negociar um projeto da instituição;
●Administrar os recursos da escola;
●coordenar, dirigir ma escola com todos os seus parceiros (serviços para escolares, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem); e,
●Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.
7) Informar e envolver os pais.
●Dirigir reuniões de informação e de debate;
●Fazer entrevistas; e,
●Envolver os pais na construção dos saberes.
8) Utilizar novas tecnologias.
●Utilizar editores de textos;
●Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino;
●Comunicar-se à distância por meio da telemática; e,
●Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.
9) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
●Prevenir a violência na escola e fora dela;
●Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais;
●Participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta;
●Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula; e,
●Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.
10) Administrar sua própria formação contínua.
●Saber explicitar as próprias práticas.
●Estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua.
●Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede);
●Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo; e,
●Acolher a formação dos colegas e participar dela.
Esclarecendo sobre as competências emergentes e as competências tradicionais
Segundo Perrenoud (2000) este referencial de competências não se trata de um inventário exaustivo das competências dos professores, pois o referencial genebrino tenta aprender o movimento da profissão, insistindo nas competências emergentes ou competências existentes, cuja importância se reforça em razão de novas ambições do sistema educacional, que exige níveis de especialização cada vez mais elevados.
Destaca que as competências básicas do ofício de professor estão contidas nas competências emergentes. Entretanto, não se encontrarão, com certeza, formulações clássicas, tais como seguir o programa, preparar e dar aulas e exercícios, utilizar os recursos oficiais de ensino e dos métodos recomendados, exigir silêncio, ordem, disciplina, dar notas, conviver pacificamente com os colegas, falando da chuva e do bom tempo, em uma escola em que, ano após ano, todos retornam as mesmas séries e aos mesmos métodos. Tudo isso não está totalmente fora de moda; continua a ser necessário dar aulas e exercícios, obter uma forma de disciplina, avaliar adequadamente. Todavia, quanto mais se caminha rumo a uma prática reflexiva, mais o ofício se torna uma profissão integral, simultaneamente autônoma e responsável, mais essas práticas tradicionais mudam de sentido e de lugar. Elas não são o alfa e o ômega do ensino, mas componentes entre outros, correspondendo a um nível de partida, a ultrapassar desde que se tenham os meios para isso (PERRENOUD, 2000).
Essa integração das competências “tradicionais” às competências “emergentes” não terá a unanimidade, não mais, aliás, do que outras escolhas, que parecerão arbitrárias, mas sem as quais nenhuma organização das representações é possível. O debate importa mais do que o consenso. Assim, quando coexistem, no mesmo sistema educacional, concepções contraditórias sobre o ofício de ensinar, sua oposição remete, indiretamente, a referenciais de competências profissionais incompatíveis. Em um ofício em evolução, que permite, além disso uma grande diversidade das representações e das práticas pessoais, é impossível fabricar um referencial aceito por todos. Que ele sirva pelo menos para esclarecer os procedimentos e enunciar os problemas de fundo (PERRENOUD, 2000).
Algumas considerações finais sobre as novas competências profissionais do professor para ensinar
Perrenoud (2000) listou dez famílias de competências, mas destaca que ninguém pode observar e conceituar todas as facetas do ofício de professor, conceber com a mesma precisão e a mesma pertinência todas as competências correspondentes.
Salienta ainda que as facetas do trabalho pedagógico, as famílias de competências não existem “objetivamente”, elas são construídas, certamente a partir do real, mas também de tramas conceituais e de pré-conceitos teóricos ideológicos.
Coloca ainda que seria difícil fazer aderir ao mesmo referencial dez autores que reflitam com agudeza sobre certas competências dos professores.
Lembra que estas competências foram organizadas pelo referencial genebrino da formação contínua dos professores de ensino fundamental, publicado em 1996.
Por último, aborda que sentiu aqui ou ali a arbitrariedade da formulação das competências escolhidas, assim como de seu agrupamento em dez famílias. Isto faz perder em coerência mas ganha em representatividade, pois podemos nos reconhecer nelas em certos pontos, um pouco menos em outros.
Ainda Perrenoud (2000, p.174) diz que seu ensaio/obra pode ter as seguintes virtudes:
●Ele ilustra um procedimento que poderia ser interessante no momento de revisar ou construir um plano de formação inicial ou contínua dos professores, não para adotar integralmente o referencial aqui comentado, mas para extrair certos elementos, organizando-os, ou rejeitar outros com conhecimento de causa.
●Ele sugere trabalhar os referenciais, no âmbito de grupos de formação ou de projeto, para esclarecer os objetivos, avaliar o encaminhamento, mas, sobretudo, suscitar explicações e uma comparação das representações de uns e de outros.
●Tal referencial pode ser utilizado em um procedimento de inovação.
Assim, o dispositivo de acompanhamento da renovação genebrina organizou sua reflexão, apoiando-se nas primeiras famílias de competências evocadas, para aprofundar as habilidades requeridas por uma pedagogia diferenciada, um trabalho por situações-problema ou uma gestão das progressões no âmbito de ciclos de aprendizagem. Estas os próprios agentes engajados nesses diversos suportes, as conexões seriam mais fáceis de serem estabelecidas. Creio, contudo, que este poderia ser um procedimento – entre outros – a utilizar em toda pesquisa-ação, pesquisa – desenvolvimento ou inovação relativa às práticas: tentar explicitar as competências que faltam, a partir da análise das práticas, mas também utilizar um referencial existente, orientado para competências emergentes, para “reler” o que já se faz ou o que se procura fazer.
Mas, Perrenoud (2000) pergunta: qual é a reação de um profissional que lê um referencial de competências que descreve o que supostamente ele sabe fazer? Resposta: O primeiro impulso é de sentir-se ameaçado de incompetência, de “criar complexos” ou de rejeitar essa mixórdia de enunciados abstratos. Isso pode gerar a tentação de unir-se ao campo dos conservadores, por falta de força para enfrentar a divisão entre o que se é e o que se gostaria de ser.
Pode-se também conceber usos menos defensivos, dizendo o leitor para si mesmo: eu não domino todos esses aspectos, mas vou nessa direção, partilho globalmente essa imagem do ofício e vou orientar minha reflexão, minha formação e minha prática nesse sentido, para me aproximar gradualmente de tudo aquilo a que admiro.
Entretanto, Perrenoud (2000) destaca que a profissionalização é uma transformação estrutural que ninguém pode dominar sozinho. Por isso ela não se decreta, mesmo que as leis, os estatutos, as políticas da educação possam facilitar ou frear o processo. O que significa que a profissionalização de um ofício é uma aventura coletiva, mas que se desenrola também, largamente, através de opções pessoais dos professores, de seus projetos, de suas estratégias de formação. Tal é a complexidade das mudanças sociais que elas não são a simples soma de iniciativas individuais, nem a simples conseqüência de uma política centralizada.
A profissionalização não avançará se não for deliberadamente estimulada por políticas concertadas que digam respeito à formação dos professores, a seu contrato, à maneira como eles prestam conta de seu trabalho ao estatuto dos estabelecimentos e das equipes pedagógicas. Não avançarão muito mais se essas políticas não encontrarem atitudes, projetos, investimento de pessoas ou grupos.
Todos podem contribuir, a seu modo, para fazer o ofício evoluir no sentido da profissionalização. Como? Por exemplo, esforçando-se para: a) centrar-se nas competências a serem desenvolvidas nos alunos e nas mais fecundas situações de aprendizagem; b) diferenciar seu ensino, praticar uma avaliação formativa, para lutar ativamente contra a reprovação; c) desenvolver uma pedagogia ativa e cooperativa fundamentada em projetos; d) entregar-se a uma ética explícita da relação pedagógica e ater-se a ela; e) continuar sua formação, a ler, a participar das manifestações e reflexões pedagógicas; f) questionar-se, refletindo sobre sua prática, individualmente ou em grupo; g) participar na formação inicial dos futuros professores; (h) trabalhar em equipe, relatar o que se faz, cooperar com os colegas; (i) inserir-se em um projeto de instituição ou uma rede; e, j) enganjar-se nos procedimentos de inovação individuais ou coletivos.
Tais orientações supõem a ampliação das competências adquiridas, até mesmo a construção de competências novas.
Trabalhar, individual ou coletivamente, com referenciais de competências é dar-se os meios de um balanço pessoal e de um projeto de formação realista. É também preparar para prestar contas de sua ação profissional em termos de obrigação de competências, mais do que resultados ou de procedimentos.
A auto-formação resulta, idealmente, de uma prática reflexiva que se deve muito mais a um projeto (pessoal ou coletivo) do que a uma expectativa explícita da instituição.
A responsabilidade de sua formação contínua pelos interessados é um dos mais seguros sinais de profissionalização de um ofício. Do mesmo modo que a instalação de dispositivos que permitem a cada um prestar contas de seu trabalho a seus pares, assim como a uma hierarquia.
Não pode haver nenhum avanço sem uma representação partilhada das competências profissionais que estão no centro da qualificação, aquelas que convém manter o desenvolver e das quais os profissionais devem prestar contas. Ajudar a formular e a estabilizar uma visão clara do ofício e das competências é uma das principais funções – subestimada – dos referenciais de competências. Elas não são, portanto, instrumentos reservados aos especialistas, mas meios para os profissionais construírem uma identidade coletiva.
Referências
PERRENOUD, Ph. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
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