domingo, 8 de janeiro de 2012

COMPREENDENDO A PROFISSIONALIZAÇÃO DOS BONS PROFESSORES... DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Hugo Norberto Krug

Algumas considerações iniciais sobre a profissionalização dos bons professores
 Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar alguns elementos que ajudam a compreender como ocorre a formação de um bom professor... de Educação Física.
     Neste direcionamento citamos Moraes (1996) que coloca que a profissionalização de professores é um tema de interesse entre pesquisadores em Educação. Destaca que os resultados de estudos nesta temática evidenciam o caráter contínuo e de permanente incompletude da formação de professor.
Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar algumas questões, entre elas as descritas a seguir.

O bom professor
Segundo Pereira e Garcia (1996) o conceito de “bom professor”, além de associar-se à categoria de professor, deve estar ligado a uma situação histórica dada, com implicações sociológicas, culturas e políticas, manifestadas na sua forma de ser, como pessoa e como profissional. O conceito de “bom”, também como categoria filosófica, é motivo de estudo desde o tempo dos sofistas gregos. O “bom” está inter-relacionado com o “bem” e incorrem em valor. Conforme Heller (1989) o valor é uma categoria ontológica-social dependente das atividades dos seres humanos, sendo resultado e expressão de relações sociais.
Ainda para Pereira e Garcia (1996) o conceito de “bom” também possui diversos viézes, ligados da Psicologia à Sociologia, mas para o senso comum, cotidiano, no qual se apóiam os valores dos alunos, o “bom” corresponde ao correto, ao eficiente, à satisfação, ao apropriado. Assim, a qualidade de “ser bom”, implica numa série de fatores que estão ligados à competência, à proficiência, à habilidade, etc. Aquele que é considerado “bom”, relaciona-se à sua capacidade docente, com natureza e função educativa. Ser bom relaciona-se à questão de negar o mau, o deficiente, o incompetente, etc.
Salientam ainda que no âmbito pedagógico, revelar o conceito de competência, á algo multidimensional, dependendo do professor, dos alunos, da situação educacional, dos valores sociais, da história de vida, que servirão de base para revelarem esta competência.
Bidlle (apud Cunha, 1988) considera a competência do professor como sendo:

“A aptidão para se comportar de uma forma específica no interior de uma situação social determinada, com vistas à produção dos efeitos empiricamente demonstrados e aprovados pelos membros onde exerce suas funções” (p.15).

Segundo Xavier (1995) a concepção de que é ser um “bom professor” já passou por diversas fases durante a evolução das pesquisas sobre a eficácia pedagógica. Já, Souza, Tabanez e Silva (1998) ressaltam que as concepções, sobre e que é ser um bom professor foram significativamente modificadas, principalmente, após o contato e conhecimento das disciplinas pedagógicas durante a formação do professor.
Ser “bom professor”, para Pimenta (1997), não é uma questão, apenas, de condições pessoais. O conhecimento de diversas e contraditórias realidades escolares vai possibilitando que se coloquem as bases do que é ser “bom professor”.
Ainda, segundo Pimenta (1997) ser “bom professor” não é uma conquista perene, duradoura e transferível para qualquer circunstância, contexto ou época. É uma identidade em permanente construção. Desta forma, o “bom professor” é um conceito polissêmico, que adquire significados conforme os contextos, os momentos histórico-sociais e pessoais, os valores e as finalidades que a sociedade, o professor e os alunos atribuem à Educação.
As instituições de ensino de qualquer nível de ensino não têm projeto próprio, explícito, que delineie “o padrão ideal” de bom professor. Assim, quando se fala de BOM PROFESSOR, as características e/ou atributos que compõem a idéia de “bom” são frutas do julgamento individualizado avaliador. A questão valorativa é dimensionada socialmente. O aluno faz a sua construção própria de bom professor, mas esta construção está localizada num contexto histórico-social. Nela, mesmo de forma difusa ou pouco consciente, estão retratados os papéis que a sociedade projeta para BOM PROFESSOR. Por isto ele não é fixo, mas se modifica conforme as necessidades dos seres humanos situados no tempo e no espaço (Cunha, 1992).
Moraes (1991) em sua tese de doutorado sob o título “A Educação de professores de Ciências: uma investigação da trajetória de profissionalização de bons professores” procura respostas à questão de como o professor se torna um bom professor. Na visão dos professores entrevistados de seu estudo, os cursos de graduação são pouco efetivos e significativos na formação de professores, sendo que para avançar em sua ação docente, o professor necessita realizar cursos de pós-graduação ou outras formas de aperfeiçoamento. Para o autor, a superação permanente, a procura constante por uma fundamentação teórica mais sólida e o desenvolvimento de um espírito crítico tornam-se um conjunto de forças que estão sempre presente onde estiver ocorrendo o nascimento de bons professores. Por fim, tornar-se um bom professor constitui-se um processo histórico que se move através de uma reflexão permanente sobre a própria prática, e a busca sem fim da própria realização profissional.

Elementos importantes na formação de um bom professor
De acordo com Moraes (1996) alguns elementos parecem ser importantes no processo de tornar-se um professor cada vez melhor. São eles:
1) A formação do professor se efetiva na prática docente.
      É na atuação profissional que o professor assimila e integra, lenta e gradativamente, as influências e vivências que possibilitam compreender o que ele é em determinado momento.
É no seu trabalho na escola que o professor avança em sua profissionalização. Para conseguir isto, ele necessita estar permanentemente atento ao seu trabalho. A formação continuada do professor é um processo concomitante ao ensinar. Apenas o professor que está permanentemente tentando ensinar melhor é capaz de melhorar profissionalmente. Desta forma, o ensinar torna-se um tempo de integração de vivências, no qual o que o professor depende do que faz e de que sabe, e o que faz determina o que ele é e o que conhece.
O desenvolvimento profissional dos professores através da prática não ocorre sem esforço. Somente torna-se melhor aquele que continuamente procura ser melhor, aquele que constante opera em função de seu projeto de mudança. Melhora o professor que está procurando sempre um desempenho mais elevado em sua profissão. Isto exige coragem para aceitar desafios, uma coragem que requer colocar constantemente em risco a segurança construída no trabalho anterior e avançar superando o medo de domínios desconhecidos, tanto teóricos como práticos. O contínuo questionamento de seu trabalho habilita o professor a avançar em sua formação através de constantes inovações e através do aprofundamento da compreensão de sua prática. Tudo isto é facilitado quando ocorre dentro de um grupo de colegas, orientados todos a um aperfeiçoamento profissional e a uma formação continuada.
A formação de professor através de sua prática é uma jornada sem-fim de auto-superação, na qual novos estágios qualitativos são permanentemente atingidos. Estes estágios são construídos como sínteses dialéticas de todas as experiências anteriores, numa relação estreita entre teoria e prática.
A melhoria profissional é sempre associada à procura por mais fundamentos e a uma compreensão mais genuína da prática. O professor recém-formado geralmente inicia seu trabalho sem uma compreensão aprofundada do que faz. Entretanto, o questionamento contínuo da sua atividade profissional conduz à construção de compreensão teórica mais sólida. Neste sentido, não é a teoria que traz consigo práticas novas, mas teoria e prática desenvolvem-se simultaneamente. O permanente questionamento da ação educativa conduz a uma conseqüente melhor compreensão dessa prática e, assim, à ações sempre renovadas e cada vez mais conscientes.
O movimento da formação continuada de professor pode ser descrito como uma espiral auto-reflexiva na qual o educador se recria mediante sua práxis. A reflexão crítica sobre a prática possibilita o movimento de auto-superação.
O bom professor está permanentemente em crise. Ele é capaz de perceber contradições em seu trabalho. É capaz de captar o negativo no positivo e, num movimento dialético, superar-se, atingindo desta forma níveis qualitativos novos em seu desenvolvimento profissional.
Ao enfatizar que a profissionalização do professor ocorre essencialmente na prática, não podemos esquecer que este avanço é sempre direcionado, de forma intensiva, por um projeto pessoal. Por meio de sua prática o professor constrói suas próprias crenças e pressupostos e estes o conduzem a construir seu próprio projeto de formação. Esse processo pode ser concebido como um movimento de auto-formação que torna o professor um profissional cada vez mais autônomo e competente.
2) A formação de bons professores ocorre mediante a reflexão sobre a prática.
     A permanente reflexão sobre a prática é um dos elementos mais fundamentais do aperfeiçoamento profissional dos professores. A reflexão coloca em movimento um ciclo que impulsiona permanentemente em direção a um professor cada vez melhor.
Além de ser um fator essencial na melhoria de desempenho docente, a reflexão também conduz a uma compreensão técnica mais aprofundada da prática. Pela sua reflexão o professor se habilita a reconstruir suas teorias, sempre em relação com sua prática. A reflexão atua como um elemento de avanço da teoria e da prática.
A reflexão sobre a prática conduz permanentemente a tentativa de mudança. Conduz a inovações. Os esforços para modificar sua prática possibilitam ao professor avançar, constituindo-se cada nova proposta de trabalho numa integração de elementos das vivências anteriores com aqueles provenientes da compreensão atual. Assim o professor se habilita a uma permanente superação.
Mediante ação e reflexão o professor coloca em movimento um processo de constante recriação de si próprio. Nesse movimento constrói-se uma pirâmide de capacidades profissionais cada vez mais sofisticada na qual os elementos inferiores servem de base à construção dos mais avançados. É o movimento dialético da práxis.
3) O avanço profissional ocorre juntamente com o crescimento da capacidade crítica.
      Uma das características do professor preocupado com seu avanço profissional é o permanente questionamento e a crítica de sua prática. Esta capacidade crítica torna-se um catalisador poderoso para tornar-se um professor melhor.
 O bom professor nunca está satisfeito com o trabalho que está realizando. Está constantemente preocupado com melhorar e avançar. Desta forma, o bom professor nunca se acomoda. Ele alimenta de forma permanente a força interna que o impele para a mudança, a concepções e crenças cada vez melhor fundamentadas e claras.
 As experiências de vida de bons professores mostram, entretanto, que o professor não nasce crítico. Esta atitude pode ter seu início no curso de graduação, mas desenvolve-se efetivamente na prática, especialmente em um contexto de grupo de colegas direcionado para a mudança, em ambientes abertos à crítica. A capacidade crítica emerge a partir de um esforço constante para trabalhar com idéias inovadoras e da testagem permanente de novas propostas de trabalho.
 A formação continuada do professor pode ser descrita como uma permanente reestruturação de experiências prévias, fundada numa reflexão crítica do próprio trabalho, conduzindo a contínuas inovações na prática. Também se baseia nas características do projeto pessoal de professor. Essa reestruturação possibilita atingir gradativamente estágios qualitativos mais elevados por meio de um questionamento cada vez mais crítico, pela construção de um conhecimento teórico cada vez mais profundo e mediante o esforço de permanentemente modificar a prática profissional.
Avançar significa sujar as mãos. Significa eventualmente errar. O professor necessita tentar avançar mesmo não tendo uma idéia precisa do ponto de chegada. O movimento precisa ser redirecionado permanentemente em função de um desempenho melhor, em função de uma realização mais completa. Isso implica um exercício de crítica permanente. Significa pensar em si mesmo como um profissional autônomo, promovendo um auto-direcionamento à própria profissão.
4) Inovar e aceitar desafios são características do bom professor.
      Introduzir mudanças no seu trabalho, inovar e elaborar novas hipóteses de ensinar são características presentes ao longo de toda a profissionalização do bom professor. Através disto o professor avança em direção a domínios desconhecidos, teóricos e práticos, enfrentando a insegurança e o medo das mudanças com sua audácia e sua coragem para inovar.
     Nesse sentido, parecem estar presentes duas forças na formação continuada do professor. A primeira tende a manter o professor fazendo o que já domina perfeitamente. Esta força está relacionada ao medo de cobrar em jogo a segurança de propostas e idéias bem exercidas durante um longo período de tempo. Há resistência em modificar estratégias de ensinar dominadas gradualmente ao longo das vivências anteriores. Entretanto, o bom professor é também corajoso. Ele compreende que só assumindo novos riscos, aceitando desafios para colocar em jogo sua segurança, somente desta forma ele pode avançar. Assim, pelo permanente assumir riscos, apenar do medo que representam, o professor aprende a convidar com a insegurança que representam as inovações, atingindo no novo tipo de segurança que o habilita a lidar cada vez melhor com a incerteza e com o inacabado. Assim, ele utiliza cada vez mais as inovações em seu trabalho como forma de construir esta segurança. Quanto mais cedo o professor se envolver neste movimento entre segurança e audácia, entre o já adquirido e o mudar para melhorar, mais o professor será capaz de avançar em sua profissão.
     Bons professores estão conscientes de que, para avançar em sua profissão, necessitam mudar. São muito exigentes consigo mesmo, analisando permanentemente sua prática. Estão permanentemente insatisfeitos com seu trabalho e procuram resultados mais significativos em sua prática. Alimentam constantemente sua atitude inovadora, essa força interna que os impele para a mudança.
     As inovações que o bom professor processa de forma permanente são uma  forma de melhorar e avançar, são uma estratégia de formação continuada. As inovações ajudam o professor a testar suas idéias e propostas novas. São estratégias para inovações, entretanto, sempre envolvem riscos e insegurança. Para reduzi-los, o professor procura constantemente por uma compreensão teórica mais aprofundada. É uma forma de compreender a formação continuada do professor, concretizando-se entre teoria e prática, um movimento no qual as inovações representam um elemento essencial.
     Mesmo que o bom professor seja capaz de avançar nesse processo independentemente do apoio do seu grupo, um clima de mudança coletiva é muito importante para um progresso efetivo. O avanço profissional implica conquista gradual de apoio de grupo ao qual o professor pertence. Isto não facilita apenas o progresso dos indivíduos no grupo, mas também garante a continuidade das novas propostas em construção.
     Utilizar as inovações como incursões em realidades ainda não inteiramente conh ecidas e dominadas exigem do professor e do seu grupo a procura por elementos externos de segurança. Isto é feito por meio de interação com teorias, o que conduz a uma compreensão sempre mais aprofundada da prática e das propostas que estão sendo construídas. As inovações precedem uma compreensão aprofundada dos fundamentos que as embasam. Mesmo que os avanços efetivos exigem fundamentos teóricos sólidos, as inovações representam avanços graduais que ajudam a construir esta base teórica. Deste modo, as inovações podem também ser concebidas como estratégias da construção de uma fundamentação teórica cada vez mais sólida.
     Este processo implicando avanço dialético entre teoria e prática, representa uma construção sempre renovada de um projeto de futuro professor. O professor está permanentemente recriando-se por sua práxis. É um movimento sempre renovado de mudança, um processo progressivo-regressivo de soma de elementos de experiências prévias, assim como do futuro projetado. Nesse processo, as inovações desempenham uma função essencial como elementos estruturadores dessa jornada de permanente superação.
5) A profissionalização de bons professores está associada à aquisição de fundamentos teóricos cada vez mais sólidos.
      O ser humano está permanentemente procurando uma compreensão mais aprofundada do meio em que vive. O bom professor também se envolve nesse processo.
      Crescer em conhecimento sobre o mundo, entretanto, não resulta de uma procura desinteressada. Especialmente no caso do professor, está intimamente relacionado às preocupações práticas. Enquanto questiona sua prática de forma continuada, o professor cria condições para o avanço teórico. 
      Quem questiona e avança em sua prática também se habilita a crescer teoricamente.
      No processo da formação continuada de professores não tem sentido enfatizar teorias dissociadas da prática. Mesmo os conteúdos que o professor necessita conhecer para lecionar são efetivamente aprendidos e compreendidos ao longo da prática. Isso é ainda mais válido em relação aos fundamentos pedagógicos do ensinar. Apenas na procura por uma compreensão mais completa de suas ações é que o professor desenvolve um interesse genuíno em relação às teorias pedagógicas e educacionais. O interesse pela teoria vem com a prática. Necessita ser construído na prática.
      Além disso, o estudo das vivências de bons professores demonstra que confiança e compreensão teórica não são pré-requisitos para uma prática inovadora, ao menos nos estágios iniciais de docência. A prática inovadora de professores no início de sua atuação profissional exige audácia e assumir riscos. É uma das características dos professores em sua prática inicial. O bom professor envolve-se em inovações mesmo antes de ter uma compreensão aprofundada do que faz. Parece ser o modo como se pode construir conhecimento significativo. Ir da teoria à prática, uma procura por segurança teórica antes de tentar implementar uma prática nova, parece ser impossível.
      A aquisição de fundamento teórico, fundado numa prática inovadora, coloca a construção do conhecimento teórico com resultado do preenchimento de necessidades no sentido de melhor compreensão de trabalho que o professor já está realizado. Enfatiza a construção de uma teoria num contexto de prática.
      Uma formação de professores efetiva somente ocorre se prática e teoria avançam juntas. O questionamento da prática, as tentativas de melhorá-la, no mesmo movimento fazem surgir uma sempre renovada deficiência teórica. Assim, o conhecimento teórico é construído como resposta às necessidades derivadas da prática. Certamente não é a teoria que avança carregando consigo práticas novas, nem a prática pode ser melhorada no isolamento, mas teoria e prática necessitam avançar juntamente. Este movimento conduz a uma prática cada vez mais consciente e fundamentada.
      O processo de aquisição de um fundamento teórico em relação a ensinar, na forma descrita, ajuda a compreender o porque, geralmente, tem pouco significado para os futuros professores as teorias com que se envolvem nos cursos de graduação. Aprofundar um fundamento teórico é muito mais uma conseqüência dos esforços do próprio professor. Cursos podem contribuir, mas muito mais significativos são as interações em grupos e as leituras que os professores decidem fazer como atendimento de suas necessidades e limitações de conhecimento.
      Assim, então, podemos compreender que o professor somente atinge uma compreensão teórica de seu trabalho de forma gradual. Saltos técnicos somente podem ocorrer a partir de longa preparação. A teoria, tal como a prática, necessita ser permanentemente revista. É um processo nunca acabado. Ação e reflexão, teoria e prática, ensinar e sua compreensão constituem diferentes aspectos de mesmo movimento de avanço dos professores em sua formação. É jornada em direção a um professor sempre melhor, mais eficiente e mais consciente de sua prática pedagógica e social.
6) Os grupos de professores constituem importante fator de formação dos bons professores.
      O grupo é outro fator de profissionalização de professor, no sentido de que possibilita uma soma de esforço, um encontro de profissionais que facilita a construção coletiva. O contexto social e grupal habilita o professor a desenvolver-se individualmente e, ao mesmo tempo, como grupo.
      O desenvolvimento profissional sem dúvida é resultado de esforço e investimento pessoal. Entretanto, não pode ocorrer no isolamento. O crescimento real somente pode ocorrer dentro de um grupo. O viver em conjunto, o compartilhar de idéias e a interação com colegas criam as condições para uma realização mais completa de todos os envolvidos. A formação continuada de professores é construída num processo dialético entre o pessoal e o coletivo.
      Entre as funções dos grupos está a facilitação do envolvimento dos participantes em reflexões e discussões sobre a prática. É nas interações em grupo de estudos que os professores podem aprofundar a compreensão do conhecimento relacionado com seu trabalho. Nesse processo é importante uma liderança capaz de desafiar o grupo a avançar e de direcionar o processo a nossos estágios qualitativos.
      O potencial dos grupos na melhoria do desempenho profissional de professores está na dependência de sua capacidade crítica. Bons grupos são semelhantes a bons professores, demonstrando sua permanente insatisfação com práticas em andamento e promovendo mudanças para superá-las. Para cada um de seus participantes, pertencer a um grupo ajuda a desenvolver uma capacidade crítica cada vez mais aguda, a realizar uma reflexão mais aprofundada sobre a própria prática e a construir alternativas de inovação e mudança. A reflexão e a ação nesta vivência de grupo têem a possibilidade de contribuir mais significativamente para a melhoria do professor do que ações isoladas.
      Um grupo pode representar uma influência positiva marcante na construção das propostas pessoais dos seus participantes. Desta forma, representa uma significativa força na formação continuada dos professores. Os grupos, de outra parte, representam ambientes excelentes para a difusão de novas idéias e propostas de seus participantes, contribuindo no sentido de seus autores poderem obter um apoio mais amplo para seu trabalho e representando uma instância de questionamento e melhoria das propostas.
      Estar envolvido num grupo é também importante para o aprofundamento teórico e para melhor compreensão de ensinar. O questionamento permanente da prática e as tentativas de construir novas propostas de trabalho exigem que o grupo procure por um fundamento mais sólido. Por isso, o grupo direciona seus participantes a leituras e discussões sobre teorias de ensino e aprendizagem.
      A formação de bons professores é um processo que nunca termina. O professor avança de forma significativa através de seus esforços pessoais para superar-se permanentemente em sua profissão. Este avanço ocorre sempre em um contexto social. O professor sozinho não pode avançar significativamente. Quanto mais o professor avança na sua profissão, mais ele necessita interagir com seus colegas, mais ele percebe o diálogo com outros professores como uma força de melhoria profissional. A possibilidade de auto-formação permanente está intimamente relacionada com o movimento da realidade num sentido mais amplo. O professor somente é capaz de avançar de forma significativa se sua progressão estiver associada ao esforço de progressão de um grupo como um todo e, ainda mais, da sociedade da qual ele é parte.
7) A formação do bom professor conduz a autodeterminação e autonomia cada vez maiores.
     A formação de um bom professor, mesmo ocorrendo em contexto de grupo, se funda num processo de conquista, de procura pessoal, de criação, de esforço de realização de um projeto pessoal e autônomo, baseado em crenças pessoais e autodeterminado.
A formação efetiva do professor não vêm dos cursos de graduação, nem de outros cursos formais. É muito mais resultado de uma procura pessoal que faz com que o professor não se acomode ao que é em determinado momento, mas o faz procurar por padrões de desempenho cada vez mais elevados, o faz viver num estado de permanente insatisfação com sua prática. Por isso, ele se projeta permanentemente em direção a seu próprio aperfeiçoamento, o que exige permanente aceitação de desafios e assumir riscos, colocando em xeque a segurança adquirida anteriormente e superando o medo da mudança. É apenas quando a coragem de assumir riscos superar os receios de mudar que o professor é capaz de progredir em sua formação.
O movimento do professor em direção a ser um profissional cada vez mais competente é paralelo ao aprofundamento da compreensão de seu trabalho. A prática do professor em suas fases iniciais geralmente é muito intuitiva. Os progressos qualitativos do professor, entretanto, não apenas avançam juntamente com o crescimento das habilidades de ensinar, mas também com a construção de um referencial teórico e de conhecimentos que ajudam a redimensionar a prática para melhorá-la cada vez mais. Este movimento é projetado por uma capacidade crítica desenvolvida no mesmo movimento, a negatividade criadora do movimento dialético, capaz de fazer surgir novas alternativas de trabalho, superando deficiências das práticas anteriores.
Enquanto avança na sua profissionalização e na sua formação, o professor também se encaminha em direção de níveis mais elevados de independência e autonomia. Tornar-se um professor melhor é também tornar-se mais livre e autônomo. Entretanto, do mesmo modo que necessitam ser conquistadas as condições para uma melhoria continuada, a maior liberdade não é obtida sem esforço.
No movimento dialético em que consiste a formação permanente de um professor, ele avança construindo crenças cada vez mais estáveis, crenças marcadas por sua própria personalidade. Na construção de sua proposta pessoal, as inovações desempenham uma função essencial. Da mesma forma, são essenciais à construção dessa proposta pessoal os pressupostos teóricos que o professor aprofunda sempre mais. Este movimento global de conquista de sua autonomia, através da explicação de suas próprias idéias e propostas, evolui como um exercício contínuo do professor de participar nas definições de sua formação, uma construção permanente do projeto pessoal que necessita ser reelaborado constantemente.

Algumas considerações finais sobre a profissionalização dos bons professores

Moraes (1996) sintetiza os elementos da formação de um bom professor na seguinte maneira:
a) A prática docente é um fator primordial do tornar-se um bom professor. A formação do professor se efetiva na prática. É um processo contínuo;
b) Para que a formação continuada possa se concretizar exige-se que o professor se envolva de forma continuada num processo de reflexão sobre sua prática. A formação de bons professores ocorre mediante reflexão sobre a prática. Uma prática que não se associe à reflexão permanente não tem condições de possibilitar o avanço profissional do professor;
c) A reflexão que ocorre na prática e que se dá sobre a prática necessita ser crítica. Necessita ser direcionada. Precisa ser exercitada no sentido do permanentemente encontrar limitações e deficiências. Desenvolver uma habilidade crítica, neste sentido, é ser capaz de perceber aspectos negativos num trabalho, por mais bem sucedido que seja. Somente o professor que consegue exercitar uma habilidade crítica desse tipo é que tem condições de progredir profissionalmente. Por isso, afirmamos que o avanço profissional ocorre juntamente com o crescimento da capacidade crítica do professor;
d) O crescimento profissional dá-se na prática. Exige envolver-se numa reflexão constante sobre a própria ação profissional. Relaciona-se com o desenvolvimento de uma capacidade crítica cada vez mais aguda. Tudo isto, num bom professor, é ainda associado a um esforço permanente por inovar, por introduzir mudança na prática, assim como por não fugir das dificuldades e desafios que se apresentam. Inovar e aceitar desafios são características presentes na profissionalização do bom professor;
e) A formação de um bom professor não se limita, entretanto, ao aperfeiçoamento da prática. Paralelamente, melhora sua compreensão dessa prática através da construção de um fundamento teórico cada vez mais consistente. A profissionalização de bons professores está associada à aquisição de fundamentos teóricos cada vez mais sólidos;
f) Todo este processo de melhoramento profissional, tanto teórico como prático, só tem condições de concretizar-se efetivamente quando ocorrer num contexto social. A verdadeira profissionalização não se dá no isolamento. O bom professor avança profissionalmente junto com os outros. Por isso, os grupos constituem importante fator de formação dos bons professores;
g) Mesmo aceitando e reconhecendo a importância dos grupos na profissionalização dos bons professores é importante salientar que a formação de bom professor conduz a autodeterminação e autonomia cada vez maiores. O que o professor é e o que faz depende de contexto em que vive e trabalha. Entretanto, os bons professores também influem de modo decisivo no direcionamento de seus projetos profissionais. A prática que reconstróem constantemente e a compreensão teórica que aprofundam permanentemente fazem com que se tornem cada vez mais autônomos e capazes de se autodeterminarem e assumirem conscientemente suas posições e propostas; e,
h) As vivências de bons professores nos fazem compreender que um bom professor não é um estado de ser. É uma procura permanente e nunca concluída. É um permanente vir a ser.

Referências
CUNHA, M.I. A prática pedagógica de bom professor. Influências na sua Educação, 1998. Tese (Doutorado) - UNICAMP, Campinas, 1988.

CUNHA, M.I. O bom professor e sua prática. 2. ed., Campinas: Papirus, 1992.

HELLER, A. Sociologia de la vida cotidiana. Barcelona (España): Pemísila, 1989.

MORAES, R. A Educação de professores de Ciências: uma investigação da trajetória de profissionalização de bons professores, 1991. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação / UFRGS, Porto Alegre, 1991.

MORAES, R. Compreendendo a profissionalização mediante histórias de vida de bons professores. Revista Educação, Porto Alegre, a.XIX, n.31, p.103-118, 1996.

PEREIRA, F.M.; GARCIA, M.A.D. Educação Física no segundo grau: as práticas pedagógicas de seus bons professores, 1996. Relatório (Pesquisa Não Divulgada) - ESEF / UFPEL, Pelotas, 1996.

PIMENTA, S.G. A Didática como mediação na construção da identidade do professor – uma experiência de ensino e pesquisa na licenciatura. In: ANDRÉ, M.E.D.A. e outros. Alternativas do ensino de Didática. Campinas: Papirus, 1997. p.37-69.

SOUZA, L. de O.; TABANEZ, M.F.; SILVA, M.M. da. O bom professor sob a ótica dos licenciados em Matemática. In: IX Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Anais I – Volume ½ ..., Águas de Lindóia: 1998. p.458.

XAVIER, B.M. Educação Física nas escolas de 2° grau de Santa Maria: concepções dos professores, dos alunos e a prática pedagógica, 1993. Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano) - CEFD / UFSM, Santa Maria, 1993.

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