Hugo Norberto Krug
Algumas considerações iniciais sobre os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional docente
Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional dos professores... de Educação Física.
Neste direcionamento citamos Farias; Shigunov e Nascimento (2001) que colocam que o percurso profissional de qualquer professor é marcado por vários acontecimentos durante a carreira. Tais acontecimentos, positivos ou negativos, marcam a passagem de uma etapa para outra, ocasionando o surgimento de estágios ou ciclos de desenvolvimento profissional.
Já de acordo com Gonçalves (1995) o percurso profissional está centrado em dois planos de análise:
1) O desenvolvimento profissional - compreende as perspectivas de crescimento pessoal (crescimento individual), profissionalização (resultado do processo de aquisição de competência, eficácia de ensino e organização do processo de ensino-aprendizagem) e a socialização profissional (adaptação do professor com o seu meio profissional em termos normativos e interativos); e
2) A construção da identidade profissional - compreende a relação que o docente estabelece com a sua profissão e o seu grupo de pares.
O referido autor também destaca que o percurso profissional é resultado da ação conjunta de três processos de desenvolvimento que são: (a) o processo de crescimento pessoal; (b) o processo de aquisição de competências e eficácias no ensino; e (c) o processo de socialização profissional.
Segundo Huberman (1995) a investigação sobre a carreira de professores é ainda recente e há necessidade de continuar a estudá-la, pois existe uma carência de estudos.
Para este autor, o desenvolvimento da carreira é um processo e não uma série de acontecimentos, pois alguns professores podem atingir estabilização na profissão mais cedo do que outros, devido a vários fatores de determinadas ordens.
Gonçalves (1995) ao estudar a crise na carreira de professoras primárias, compartilha as convicções de Huberman (1995), ao mencionar que o desenvolvimento profissional é "(...) um processo que, como todos os processos, de crescimento, se faz de forma não linear, em que os momentos de crise surgem como necessários, antecedendo e preparando os momentos de progresso" (p.158).
Estes dois autores acreditam que estes momentos de crescimento, que podem ser marcados por acontecimentos de ordem pessoal, econômica ou profissional, deveriam ser abordados nos cursos de formação inicial, para que os alunos pudessem, ao ingressar na carreira, amenizar o choque com a realidade ou que ele não seja motivo de desestímulo dos docentes.
Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar mais detalhadamente os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional docente.
Os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional docente
Investigações realizadas por Barone et al. (1996), Gonçalves (1995), Huberman (1995), Nascimento & Graça (1998) e Stroot (1996) para caracterizar o desenvolvimento profissional de docentes, classificam o desenvolvimento da carreira do professor em ciclos ou estágios, cuja terminologia varia de acordo com o autor.
Huberman (1995) utiliza a terminologia de ciclos de vida profissional. Stroot (1996) e Barone et al. (1996) utilizam a terminologia de estágios de desenvolvimento profissional e finalmente, Gonçalves (1995), Nascimento & Graça (1998) utilizam a terminologia de fases ou etapas.
A investigação considerada pioneira nesta área e geradora de novos estudos foi desenvolvida por Huberman (1995). O autor preocupou-se em estudar a carreira de professores e classificar os ciclos de vida profissional de docentes, denominando-as como fases, onde cada fase apresenta características próprias e procura enquadrar o professor durante o seu percurso profissional. As fases são as seguintes:
1ª) Fase de entrada na carreira - compreende os primeiros 2 ou 3 anos de docência dos professores, apresentando dois estágios. O estágio de sobrevivência, momento no qual ocorre o "choque com o real", o distanciamento entre o ideal e a realidade cotidiana e a fragmentação do trabalho. O estágio de descoberta resume-se no entusiasmo inicial, a exaltação pela responsabilidade de ser professor e sentir-se inserido no corpo de professores;
2ª) Fase de estabilização - é uma fase de independência do professor e de um sentimento de competência pedagógica crescente. Na verdade, constitui aquele momento da carreira em que ocorre o comportamento definitivo, ou seja, a estabilização. O professor sente-se pertencente ao corpo de professores e, aos seus olhos, torna-se professor. Ocorre a tomada de responsabilidade e uma maior preocupação com os objetivos didáticos do que consigo mesmo. Esta fase compreende a faixa dos 4 aos 6 anos de docência;
3ª) Fase de diversificação - é uma fase de experimentação e de diversificação. Os professores nesta fase das suas carreiras seriam, assim, os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas ou nas comissões de reforma que surgem nas várias escolas. Os professores lançam-se a experiências pessoais, diversificando os modos de avaliação, as seqüências dos programas, a forma de agrupar os alunos, entre outros itens. Há também nesta fase, a ocorrência provável de um certo desencanto por parte de alguns professores, provocado pelos fracassos, desencadeadores de crises. A critério de tempo, esta fase situa-se na carreira docente do 7º ao 25º ano de atividade profissional;
4ª) Fase de serenidade - é a fase em que os professores chegam à serenidade, através de questionamentos. Existem alguns estudos empíricos que indicam que nesta fase os professores passam a lamentar o período em que estavam ativos. Os professores não apresentam mais a preocupação com a avaliação dos colegas ou direção, diminuem o nível de ambição, apresentam-se mais sensíveis, menos vulneráveis à avaliação da direção ou de qualquer outro setor. Consideram que não tem mais nada a provar. Geralmente nesta fase estão os professores com idade entre 45 e 55 anos de idade;
5ª) Fase de conservantismo - se assemelha muito à fase anterior, entretanto os professores apresentam-se mais rígidos e conservadores e uma idade mais avançada, que pode variar de 50 a 60 anos. Desta forma, pode haver uma relação entre a idade e o conservantismo. Os professores pertencentes a este ciclo queixam-se da evolução dos alunos e dos colegas mais jovens; e,
6ª) Fase de desenvestimento - é o momento em que os professores passam a investir mais em seus interesses pessoais do que investir na sua carreira. Os professores reservam um tempo maior para si mesmos, ocorrendo um recuo e interiorização neste final da carreira.
Na investigação realizada com professores portugueses de Educação Física, Nascimento & Graça (1998) adaptaram a classificação de Huberman (1995) à realidade portuguesa, classificando os professores em quatro fases de desenvolvimento profissional. As fases foram as seguintes:
1ª) Fase de entrada ou sobrevivência - compreende os primeiros anos na carreira e consiste no período de transição entre a formação inicial e a atividade profissional contínua;
2ª) Fase de consolidação - há a consolidação do repertório pedagógico, bem como o ajustamento e aumento do conhecimento curricular;
3ª) Fase de diversificação ou renovação - compreende o momento da carreira em que as atividades já se tornaram corriqueiras e monótonas. É quando os professores lançam-se em novas idéias e procuram viver experiências novas; e,
4ª) Fase da maturidade ou estabilização - é a fase de questionamentos sobre si próprio.
Gonçalves (1995) em seu estudo com professores de ensino primário, apresentou a seguinte classificação para o estudo sobre o desenvolvimento profissional de docentes:
1) Início - é a fase de entrada na carreira que oscila entre a sobrevivência e a descoberta. Esta fase é marcada pelo sentimento de abandono pela carreira e o sentimento de lutar pela mesma;
2) Estabilidade - é o momento em que os professores demonstram confiança e satisfação pelo ensino;
3) Divergência - é marcada pelo desequilíbrio em relação à fase de estabilização. Os professores passam a investir na profissão, mas, ao mesmo tempo, para alguns, esta fase é marcada por um sentimento de saturação e cansaço;
4) Serenidade - ocorre a queda do entusiasmo e o distanciamento afetivo; e,
5) Renovação do interesse e desencanto - enquanto alguns docentes manifestam o desejo e o entusiasmo de continuar a aprender, outros manifestam impaciência, cansaço e desejo de aposentadoria.
Stroot (1996) ao estudar o desenvolvimento profissional de professores de Educação Física, utilizou um modelo de socialização organizacional de professores onde a evolução dar-se-á por intermédio cooperativo dos professores mais experientes na escola. A autora distingue quatro estágios de desenvolvimento profissional. São eles:
1º) Sobrevivência - compreende a entrada na carreira profissional até o primeiro ano, aproximadamente. É o momento na carreira em que o professor começa a questionar-se sobre a sua competência e a assistência local. A assistência local significa o suporte ou apoio dos demais professores aos menos experientes, o que é necessário para proporcionar maior tranqüilidade e ajudar na adaptação do professor à vida escolar;
2º) Consolidação - ocorre aproximadamente no segundo ano de desempenho profissional. Nesse estágio, os professores apresentam uma preocupação maior com as necessidades individuais dos alunos e tanto os colegas mais experientes quanto outros profissionais podem contribuir na escolha das estratégias utilizadas;
3º) Renovação - encontram-se os docentes no terceiro ano de desempenho profissional. É o período em que o professor passa a adquirir competência na sua prática e as atividades passam a se tornar chatas e rotineiras. Os professores providenciam uma maior variedade no ambiente de ensino. Ocorrendo também a troca de idéias com outros professores e com grupos de professores, formais e informais, entre outros; e,
4º) Maturidade - ocorre a partir do quarto ano de exercício profissional. É o estágio em que surgem os questionamentos de si próprio e do ensino, com enfoque em seus próprios pensamentos. Existe a compreensão da complexidade do ambiente de ensino.
Já, Barone et al. (1996) preocuparam-se em estudar o desenvolvimento profissional de docentes a partir do modelo de Berliner, denominando cinco estágios:
1º) Nível novato - são os estagiários e os professores no seu primeiro ano de docência. Os professores nesta fase ainda se sentem incapacitados para assumirem a responsabilidade de serem professores, pois apresentam poucas habilidades;
2º) Nível iniciante avançado - os professores, nesse momento do ensino, estão aproximadamente no seu 2º ou 3º ano de docência, quando o conhecimento acumulado na formação inicial complementa-se com os conhecimentos adquiridos nos episódios vividos no início da atividade docente, os quais junto aos casos passados os tornam mais seguros de si, pois é necessário aprender a ter sucesso no domínio da turma. Embora estes professores já estejam intensamente envolvidos no processo de aprendizagem, eles ainda falham em aceitar responsabilidade pelas suas ações;
3º) Nível de competência - os professores se tornam desempenhadores competentes das atividades necessárias no seu domínio de interesse, pois já estão adquirindo níveis de competência pedagógica. Eles agrupam prioridades, decidem seus planos e já tem memória viva de seus sucessos e falhas;
4º) Nível proficiente - estágio em que o "saber como" se torna proeminente, sendo que neste estágio poucos professores se movem para um estágio elevado, para o nível de especialista; e,
5º) Nível de especialista - o professor especialista (expert) é muitas vezes emocional. Adquire fluidez de desempenho e parece capaz de responder para seu ambiente numa maneira esforçada.
Segundo Farias; Shigunov & Nascimento (2001) a estrutura de classificação mais completa e detalhada é a de Huberman, e destacam que as demais classificações surgiram da primeira. Os autores salientam também que estas classificações foram adotadas para analisar realidades distintas da realidade brasileira onde a carreira docente, em termos de anos de docência, apresenta-se bastante diferenciada. A carreira docente, na realidade brasileira, geralmente tem a duração de 25 a 30 anos de docência, e não a duração de 35 ou mais anos apontada por Huberman e Nascimento & Graça.
Algumas considerações finais sobre os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional docente
De acordo com Chakur (2001) os estudos que defendem o desenvolvimento profissional docente ou que, pelo menos, focalizam a formação do professor mostram pouca preocupação em caracterizar precisamente o processo desse desenvolvimento. Quando muito, trata-se, de descrever as etapas da história de vida profissional dos professores, seqüenciando-as conforme o critério do simples desenrolar temporal em ordem cronológica. Alguns estudos salientam, também, que não foi encontrada seqüência invariante de etapas, embora a maioria se refira a níveis evolutivos qualitativamente distintos uns dos outros.
A autora não nega que o desenvolvimento profissional esteja intimamente relacionado com o desenvolvimento pessoal. Também não contesta que as pressões e constrangimentos das condições de trabalho e dos contextos institucionais, cultural e histórico, de modo geral, interferem nas trajetórias individuais ou na do coletivo de docentes. A autora questiona sim, é a ausência de um mecanismo regulador responsável pelo controle dos"desvios de rota", presentes em cada uma das etapas descritas por Huberman, por exemplo. Tal como consta, o desenvolvimento profissional docente poderia sempre, em cada caso, tomar rumos divergentes, sem qualquer explicação racional, desde que nada indique que os professores tenham sido submetidos a condições e circunstâncias opostas.
Assim sendo, consideramos fundamental a tarefa de conhecer os percursos e/ou ciclos de desenvolvimento profissional do docente com o intuito de evitar determinados ciclos que venham a comprometer a atuação do professor em sua tarefa de educar.
Referências
BARONE, T. et al. A future for teacher education: developing a strong sense of professionalism. New York , 1996.
CHAKUR, C.R. de S.L. Desenvolvimento profissional docente: contribuições de uma leitura piagetiana. Araraquara: JM Editora, 2001.
FARIAS, G.O.; SHIGUNOV, V.; NASCIMENTO, J.V. Formação e desenvolvimento profissional dos professores de Educação Física. In: SHIGUNOV, V.; SHIGUNOV NETO, A. (Orgs.). A formação profissional e a prática pedagógica: ênfase nos professores de Educação Física. Londrina: O Autor, p.19-53, 2001.
GONÇALVES, J.A. A carreira das professoras do ensino primário. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, p.141-170, 1995.
HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, p.31-62, 1995.
NASCIMENTO, J.V. do; GRAÇA, A. A evolução da percepção de competência profissional de professores de Educação Física ao longo de sua carreira. IN: VI Congresso de Educación Física e Ciencias do Deporte dos Países de Língua Portuguesa e VII Congresso Galego de Educación Física. Actas..., 1998.
STROOT, S. Organizational socialization: factors impacting beginning teachers. In: SILVERMAN, S.T.; ENNIS, C. (Org.). Student learning in physical education. Human Kinetics, p.339-365, 1996.
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