Hugo Norberto Krug
Algumas considerações iniciais sobre necessidades formativas
Considerando que este ensaio faz parte do espaço formativo do GEPEF intitulado “Cenas e cenários sobre formação e prática pedagógica de professores de Educação Física”, o mesmo tem como objetivo abordar as necessidades formativas dos professores... de Educação Física.
Neste direcionamento citamos Nuñes e Ramalho (2006, p.2) que colocam que os “estudos sobre as necessidades formativas dos professores estão associados às pesquisas sobre o desenvolvimento profissional dos professores. As necessidades formativas dos professores se constituem num campo necessário e ainda pouco explorado nos processos de sua formação inicial e continuada”.
Estes mesmos autores ainda colocam que os estudos recentes sobre as atividades profissionais dos professores têm apontado a importância da prática como ponto de partida, de chegada e de transformação da atividade profissional docente. Destacam ainda que é a partir desta prática, que são reveladas as necessidades formativas. Assim, a partir dos problemas diagnosticados pelos professores em serviço ou em processo de formação, a respeito de sua prática profissional ou pré-profissional, é que são diagnosticadas as necessidades que devem ser objeto integrador da formação.
Assim, de acordo com Marcelo Garcia (1995), o diagnóstico das necessidades do professorado é uma das funções que todo o Centro de Professores deve desenvolver para assegurar uma oferta de formação ampla, flexível e planejada, que corresponda na medida do possível às solicitações dos professores em matéria de conhecimentos, destrezas ou atitudes. Já Suarez (apud MARCELO GARCIA, 1995) destaca que o diagnóstico de necessidades converte-se num primeiro passo do processo de avaliação dos programas de formação de professores, pois fundamenta-se no trabalho que os professores desenvolvem nas instituições escolares.
Mas, para um melhor entendimento desta temática precisamos abordar algumas questões, entre elas as descritas a seguir.
O que são necessidades formativas?
Rodrigues e Esteves (1993) afirmam que a palavra necessidade é polissêmica, marcada pela ambigüidade.
Já para Zabalza (1998) uma necessidade é instituída pela discrepância que se produz “entre a forma como as coisas deveriam ser (exigências), poderiam ser (necessidades em desenvolvimento) ou gostaríamos que fossem (necessidades individualizadas) e a forma como essas coisas são de fato” (p.62). A diferença entre o estado atual de desenvolvimento e o estado desejado, dentre outros fatores, determina a necessidade.
Segundo Nuñes e Ramalho (2006) na linguagem corrente, a palavra necessidade é usada para designar fenômenos diferentes, tais como “desejo, vontade, aspiração, precisando alguma coisa ou alguma exigência” (p.2). A necessidade tem existência no sujeito que a sente e é fonte de motivações para desenvolver determinados tipos de atividades.
Conforme Blair e Large (apud NUÑES; RAMALHO, 2006) uma necessidade define-se pela discrepância entre o que é (a prática habitual) e o que deveria ser (a prática desejada). Portanto, as necessidades devem ser levadas em conta em função de metas específicas.
Monteiro (apud MARCELO GARCIA, 1995) define o constructo necessidade formativa como o “conjunto de desejos, problemas, carências e deficiências encontradas pelos professores no desenvolvimento de seu ensino” (p.67-68).
Assim, segundo Nuñes e Ramalho (2006) o conceito de necessidade no professor é visto como algo útil, imprescindível num momento dado, ligado a valores, que parte das experiências anteriores, e que definem a procura de algo que falta para poder, conscientemente, fazer o trabalho docente com maior profissionalismo. Destacam que estas necessidades são individuais e/ou coletivas a que permite dirigir a formação dos professores face as novas tarefas da prática profissional. Salientam ainda que as necessidades docentes têm sua origem na prática, e como categoria norteadora faz-se necessário pesquisar a prática do professor em seu cotidiano.
Relação entre necessidades formativas e interesses
Para Nuñes e Ramalho (2006) as necessidades estão vinculadas aos interesses. Esse vínculo, por vezes, é necessário ser reconstruído, na dinâmica do aparecimento de novos interesses. Assim, os conhecimentos que os professores possuem como conseqüência de suas diferentes concepções, não são somente resultado do elemento cognitivo, mas também são de seus interesses como indivíduos que pertencem a um grupo social. Neste sentido, face à realidade do sujeito, como membro deste grupo, ele adota determinadas condutas, não somente por ter uma dada racionalidade, mas também por apresentar determinados interesses (conscientes ou inconscientes). As necessidades surgem das relações complexas na dinâmica entre estes fatores, em que o cognitivo não pode ser separado do afetivo.
Os tipos de necessidades formativas
Segundo Zabalza (1998) as necessidades podem ser:
1) Prescritivas – dá-se através da classificação do marco geral de expectativas para o projeto pedagógico, análises de documento, o que se pretende no projeto pedagógico;
2) Individualizadas – referem-se à constatação dos desejos dos sujeitos que participarão; à formulação de hipótese de cursos que, a partir de distintos pontos de vista, se ajustarão aos sujeitos, à discussão reflexiva, às alternativas individualizadoras e marcas de operacionalidade para os participantes; e,
3) De desenvolvimento – referem-se aos questionamentos: que coisas poderão ser feitas, que poderá ser conseguido além dos mínimos exigidos; que experiências colaterais poderão otimizar tanto o processo, como os resultados.
Conforme Hewton (apud GARCIA, 1995) podem ser estabelecidos diferentes níveis e categorias quanto ao tipo de necessidades de formação assinaladas pelos professores. São elas:
1) Necessidades relativas aos alunos – necessidades de aprendizagem dos alunos, tratamento da diversidade, problemas de disciplina, rendimento, motivação, etc. Métodos de diagnóstico: observação, discussão em grupo, entrevistas, questionários, diários dos alunos, gravações de áudio e vídeo, etc.;
2) Necessidades relativas ao currículo – o desenvolvimento de novos planos curriculares implica a necessidade de aperfeiçoamento profissional dos professores, nomeadamente novos estilos de ensino, de apresentação das informações, de comunicação, de avaliação, de definição de objetivos, etc. Métodos de diagnóstico: análise de materiais e documentos (planos curriculares), observação de aula, entrevistas a alunos e professores, registro de áudio e vídeo, questionários, etc.;
3) Necessidades dos próprios professores – mais ligadas à abordagem dos professores, como profissionais e como pessoas, do que ao ensino. Pretendem-se com o desenvolvimento da carreira docente maior satisfação no trabalho, redução de ansiedade, etc. Métodos de diagnóstico: auto-análise, discussão com os colegas, entrevistas, questionários de auto-avaliação, observação feita pelos próprios colegas, etc.; e,
4) Necessidades da instituição educadora enquanto organização – necessidades da instituição na sua globalidade, do currículo, dos alunos (formas de agrupamento), da organização e dos professores (papéis e responsabilidade, comunicação entre professores), do clima interno, das relações com o exterior. Métodos de diagnóstico: análise da escola, no seu todo ou por departamentos, através de questionários e discussões de grupo.
O autor destaca que as categorias apresentadas são apenas um exemplo de algumas necessidades que podem inspirar as estratégias de aperfeiçoamento dos professores.
Algumas considerações finais sobre necessidades formativas
Segundo Rodrigues e Esteves (1993) a análise das necessidades formativas, como área de pesquisa, surgiu no final da década de 60 do século passado. Desde então, vem sendo utilizada como um instrumento fundamental no planejamento e tomada de decisão na área educativa. Isto obedece a uma preocupação com a racionalização dos processos formativos e os desejos de conseguir planos mais estruturados e eficazes que respondam adequadamente às exigências sociais, na intenção de encontrar procedimentos mais eficientes na formação do professor.
Para Ramalho e Nuñes (apud NUÑES; RAMALHO, 2006) uma formação de professores sem direção e sem conhecimento de suas necessidades reais, não ajusta-se às mudanças, que exigem cada vez mais na ação criadora na preparação dos professores na perspectiva da profissionalização.
Já conforme Bridget Somekl (apud RODRIGUES; ESTEVES, 1993) as necessidades de formação em situação de serviço devem ser identificadas pelos professores em ligação estreita com o desenvolvimento curricular e a organização da escola, pois isto favorece a participação dos diversos atores na vida da instituição e a emergência de práticas democráticas.
Neste contexto, segundo Nuñes e Ramalho (2006), a formação de professores é um tipo de atividade permanente, sistematizada e planejada, fundamentada nas necessidades reais e na perspectiva da profissão, orientada à uma formação de competências, de atitudes, de qualidades da personalidade do(a) futuro(a), ou do(a) professor(a) em serviço, a fim de objetivar um programa formativo que leve em conta o nível dos professores, suas experiências, necessidades, tanto particulares como coletivas, que emanam da prática.
Os autores destacam ainda que a origem das necessidades formativas, ou seja, a necessidade de formar determinadas competências, saberes, etc. não pode situar-se somente nos indivíduos, mas também nas instituições onde desenvolvem ou desenvolverão suas atividades, dentro do contexto da sociedade. A determinação das necessidades dos professores como uma das categorias estruturantes dos programas formativos deve levar em conta o fato de em determinadas vezes, a necessidade não se revelar em razão do desconhecimento que os próprios professores possuem a respeito da natureza de novas exigências do trabalho profissional. Por isso, faz-se necessário a reflexão da prática orientada por perspectivas teóricas que possibilitem questionar a própria prática e dar origem a novas necessidades para o aperfeiçoamento do trabalho profissional. As novas exigências do século XXI que vem sendo traduzidas nas reformas do sistema educativo impõem rupturas profundas no agir profissional dos professores que, conseqüentemente, exige novas necessidades formativas.
Assim, por todas estas informações foi que consideramos importante abordar as necessidades formativas dos professores... de Educação Física!
Referências
MARCELO GARCIA, C. A formação de professores: novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995. p.52-76.
NUÑES, I.B.; RAMALHO, B.L. Estudo da determinação das necessidades de professores: o caso do novo ensino médio no Brasil – Elemento norteador do processo formativo (inicial/continuado). Revista Iberoamericana de Educacíon, 2006.
RODRIGUES, A.; ESTEVES, M. A análise das necessidades na formação de professores. Lisboa: Porto Editora, 1993.
ZABALZA, M.A. Planificação e desenvolvimento curricular na escola. Lisboa: Edições ASA, 1998.
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