ENTENDENDO OS SABERES DOCENTES A PARTIR DE MAURICE TARDIF
Fabiana Ritter Antunes
A partir de 1980, a questão do saber dos professores fez surgir muitas pesquisas no mundo anglo–saxão e, mais recentemente na Europa. Elas empregaram variadas teorias e métodos e propuseram diversas concepções a respeito do saber dos professores. Segundo Tardif (2002), o saber dos professores não pode ser separado das outras dimensões do ensino, embora os professores se utilizem de diferentes saberes, essa utilização se dá em função de seu trabalho, portanto as relações mediadas pelo trabalho fornecem princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas.
O autor nos revela que, no âmbito dos ofícios e profissões, não se pode falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho. Assim, o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer, o saber não é uma coisa que flutua no espaço, o saber dos professores é o saber deles e se relaciona com a pessoa e a identidade deles, então, não provém de uma fonte única, mas sim de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e da carreira profissional.
Evidencia ainda Tardif (2002) que o saber dos professores é social, pois é partilhado por todo um grupo de agentes e professores, que possuem uma formação comum e trabalham numa mesma organização.
Ressalta que não devemos esquecer que o saber é produzido socialmente, seus próprios objetos são objetos sociais, isto é, práticas sociais; por ser adquirido no contexto de uma socialização profissional, onde é incorporado, modificado, adaptado conforme as fases da carreira.
De acordo com o entendimento do autor, o saber e o trabalho se relacionam, sendo que o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação com o trabalho deles na escola e na sala de aula.
Nesse sentido sobre a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber, o autor revela que devemos admitir que o saber dos professores não provém de uma fonte única, mas de várias fontes e de diferentes momentos. Assim o saber dos professores traz marcas de seu trabalho, que ele não é somente utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho.
Sobre a pluralidade do saber, este depende das condições, nas quais, o trabalho deles se realiza, e da personalidade e experiência profissional de cada professor.
Tardif (2002) destaca que quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor profissional parece ter. Sugere que as universidades tenham uma nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas mesmas a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas.
O autor traz algumas indagações que são relevantes para entendermos os saberes docentes e a formação profissional: será que os professores sabem alguma coisa, mas o que, exatamente? Que saber é esse? São eles apenas transmissores de saberes produzidos por outros grupos? Produzem um ou mais saberes na profissão?
Tardif busca identificar e definir os diferentes saberes presentes na prática docente, bem como as relações estabelecidas entre eles e os professores. Salienta-se a definição de saber docente, como um saber plural formado pelo amálgama mais ou menos coerente de saberes oriundos da formação profissional, e saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
Os saberes docentes dividem-se em: a) Saberes da formação profissional,são um conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores; b) Saberes disciplinares,correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se encontram hoje, integrados nas universidades, sob forma de disciplinas, no interior de faculdades e cursos distintos; c) Saberes curriculares,correspondem aos discursos, objetos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a cultura erudita; e, d) Os saberes experenciais ou práticos,são os saberes baseados no trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio, brotam da experiência individual e coletiva de saber fazer e saber ser.
Podemos classificar então que o saber docente é heterogêneo, e que a partir desta heterogeneidade implica um processo de aprendizagem e de formação, e quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, mais longo e complexo se torna esse processo de aprendizagem.
É importante destacar também que o autor traz à tona que os saberes são elementos constitutivos da prática docente, pois os saberes adquiridos através da experiência constituem os fundamentos de sua competência, sendo a partir deles que os professores irão julgar sua formação inicial e continuada. Nesse mesmo contexto é evidenciado que os saberes experienciais possuem três objetos que são: as relações e interações que os professores estabelecem e desenvolvem com os demais atores no campo de sua prática; as diversas obrigações e normas as quais o seu trabalho deve submeter-se; a instituição enquanto meio organizado e composto de funções diversificadas; a objetivação parcial dos saberes experienciais, a qual tem origem, portanto, na prática cotidiana dos professores em confronto com as condições da profissão.
E se tratando mais especificamente do saber docente, podemos destacar que o saber docente então é um saber plural, pois é formado por diversos saberes provenientes de diversas instituições de formação profissional.
Tardif (2002) trata da relação dos saberes com o tempo e com a aprendizagem do trabalho no magistério. Para dar um apanhado geral o autor traz que em termos sociológicos pode-se dizer que o trabalho irá modificar a identidade do trabalhador, pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo e consigo mesmo, estes saberes, portanto ligados ao trabalho do professor são temporais, pois são construídos e dominados progressivamente durante um período de aprendizagem.
A respeito da formação da identidade profissional docente, temos que tanto o imaginário social, como o nosso imaginário de professor podem ser construídos baseados nos professores que tivemos na nossa vida escolar, dentre outras maneiras. Por isso, torna-se importante resgatarmos nossos tempos de infância e adolescência, nossas primeiras vivências escolares, procurando ver as “marcas” que trazemos desses tempos-espaços e o quanto essas incorporam o nosso “modo de ser” e “dever-ser” de educadores. Esses são momentos de muita profundidade, intimidade e reflexão que, por vezes, nos desestabilizaram, pois nos confrontamos com os diferentes processos de constituição das nossas identidades pessoais e profissionais, mas que nem sempre assumimos ou queremos assumir.
O autor revela que a atribuição que damos ao “saber”, é num sentido amplo que engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes dos docentes, muitas vezes chamado de saber–fazer e saber–ser, e estas manifestações de saber–fazer e saber-ser são provenientes de fontes variadas. É importante ressaltar que as competências profissionais estão diretamente ligadas as capacidades dos docentes de racionalizar sua própria prática, criticá-la, revisá-la, objetivá-la, buscando fundamentá-la.
É possível notar que o autor está preocupado com a estruturação do saber experiencial, pois é mais forte e importante no início da carreira tendo ligação direta com as experiências de trabalho.
Com isso o autor traz três fundamentos de ensino, o qual revela que acontecem em um só tempo: Existenciais: é no sentido que o professor não pensa somente com a cabeça, mas com a vida, com o que foi com o que viveu com aquilo que acumulou em termos de experiência de vida; Sociais: é porque os saberes são plurais, provem de fontes sociais e diversas, são adquiridos em tempos sociais diferentes; e, Pragmáticos: pois os saberes servem de base ao ensino estão intimamente ligados tanto ao trabalho quanto a pessoa trabalhadora.
Ainda revela que todo professor é considerado o sujeito ativo de sua própria prática, ao mesmo tempo em que aborda sua prática e a organiza a partir de sua vivencia, traz à tona as experiências de sua história de vida, sua afetividade e seus valores, seus saberes estão enraizados em sua história de vida e em sua experiência do ofício de professor. Aponta então duas teses: 1) Os professores são sujeitos de conhecimento e possuem os saberes específicos ao seu ofício; e, 2) Seu trabalho cotidiano não é somente um lugar de aplicação de saberes produzidos por outros, mas um espaço de produção, transformação e de mobilização de saberes que lhe são próprios.
Em vários momentos, o autor evidencia que os professores sobre seus saberes e sobre sua relação com os seus saberes, apontam a partir de categorias de seu próprio discurso, saberes práticos e saberes experienciais que passam a ser reconhecidos a partir do momento em que os professores manifestarem suas idéias a respeito dos saberes.
Para concluir, é com muita originalidade e ousadia que Tardif apresenta sua proposta de entender o processo de construção dos saberes docentes, nesse sentido fazendo com que seu livro Saberes Docentes e Formação Profissional, seja uma leitura indispensável para os envolvidos nos estudos dos saberes docentes e praticamente obrigatório para os professores de Educação Física que trabalham com a educação e que colocam a reflexão constante como parte da vida profissional.
Referência
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
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