HABILIDADE DEZ! AUTONOMIA ZERO!
Considerações iniciais
Na antiguidade, as atividades corporais tinham como principal meta a sobrevivência através da caça e a pesca, mas as civilizações européias tinham um caráter religioso que se manifestava através de oferendas, rituais de iniciação e sacrifícios. A educação para o movimento começou a ser pensada na Grécia quando os soldados passam a ser treinados para a guerra, atribuíam um grande valor as atividades físicas e morais do cidadão.
Nos jogos olímpicos apareceram as características mais marcantes do esporte moderno como forte organização dos eventos esportivos com objetivo de acomodar um grande número de pessoas, ampliando assim a participação da comunidade e promovendo um verdadeiro espetáculo. Esse espetáculo estava atrelado a outras características do esporte moderno como treinamentos intensivos para se haver à quebra de recordes e atividade profissional do atleta, o qual se dá a partir de uma questão importantíssima que é a recompensa material do atleta.
O Esporte surge com fins pedagógicos e lúdicos. Em contrapartida como nos afirma Tubino o esporte atual se apresenta com:
“A exacerbação dos resultados enaltecendo o chauvinismo esportivo a qualquer custo, o interesse cada vez mais forte dos governos pelas disputas internacionais e conseqüentes propagandas, o grande salto na evolução da tecnologia esportiva, o aumento diário nas horas de treinamento esportivo, o profissionalismo disfarçado, a multiplicação dos casos de doping e de esquemas de suborno passaram a substituir o quadro estético-anterior por outro, tendente a uma consolidação de erros, vícios e distorções”.
Em 1960, várias organizações aprofundaram o entendimento a cerca do esporte, um exemplo disso é a Carta Internacional de Educação Física e do Esporte editada pela Unesco. O esporte foi reconhecido como um direito do cidadão e também foram ampliados os significados que antes se restringiam à ginástica, ou os quatro esportes hegemônicos da Educação Física como handebol, voleibol, basquetebol e futebol. A extensão do esporte para o lazer e bem-estar começou a surgir.
Nesse contexto o esporte se apresenta como um fenômeno sócio-cultural que tem por objetivo educar, porém devemos que ter o discernimento de quais são as finalidades reais da educação dos esportes. Diante da realidade observa-se que o futebol é um dos conteúdos das aulas de Educação Física mais populares. E como se evidencia no (COLETIVO DE AUTORES, 1992):
Para isso, convém discutir sua história lembrar seu passado nobre na Inglaterra do século XIX, bem como sua incorporação no Brasil. Nesse quadro cabe evidenciar, por exemplo, a época em o futebol se popularizou deixando de ser um divertimento restrito a classe dominante, passando a ganhar espaços das várzeas, dos morros, os espaços de festa e movimentos do povo.
A partir do histórico do esporte e da popularidade do futebol considera-se que alguns questionamentos são pertinentes: Por que há uma monocultura esportiva de conteúdos nas aulas de Educação Física? Nas escolas, com que objetivo o futebol atual educa? Os espetáculos futebolísticos na TV estão educando nossas crianças? Para quê?
Treinar, treinar e treinar... Modelo técnico-desportivo
O futebol é um assunto de alta relevância pedagógica, pois é trabalhado na maioria das escolas em função da monocultura esportiva difundida no Brasil. Essa monocultura esportiva nas escolas se dá não só pelo futebol ser uma paixão nacional, mas também pela forte influência da mídia que encobre os reais interesse da educação dos esportes.
Outra razão para tornar o futebol tão utilizado como conteúdo nas aulas de Educação Física é a negligência de alguns professores que preferem “largabol” como são chamados, ao invés de dar aula.
De acordo com Teixeira (apud KRUG, 2003) o professor de Educação Física mostra-se como um eterno repetidor de procedimentos de duvidosa fundamentação teórica, sem conhecer sua real função no processo educacional e seu potencial de contribuição no desenvolvimento dos alunos.
Na maioria das escolas que os professores de Educação Física ensinam o futebol e não apenas largam a bola ocorre da seguinte maneira: Estes se utilizam o modelo técnico desportivo. Essa concepção tradicional do ensino dos esportes tem caráter individualista e busca o desenvolvimento das capacidades físicas e habilidades motoras. O conhecimento é visto com um modelo a ser imitado, observado e repetido corretamente, há uma excessiva preocupação com o passado, ou seja, não se pode abandonar o tradicional; e também com o acúmulo de conhecimentos. O processo/ensino aprendizagem ocorre através da calistenia que são exercícios repetitivos centrados no professor, subordinando assim a educação à instrução.
Ao observarmos crianças em escolinhas de esportes ou até mesmo em escolas que seguem o modelo técnico desportivo para o ensino dos esportes, podemos constatar que as crianças são tratadas como adultos em miniaturas, não vemos grandes diferenças na forma de tratamento do treinador ou em como são selecionadas.
Os espetáculos futebolísticos educam/deseducam para os interesses de uma sociedade altamente competitiva. Na maioria das vezes as individualidades das crianças são desrespeitadas para contemplar esse modelo de competição e sobrepujar. Então, aquelas crianças que não são coordenados tecnicamente para a prática de determinado esporte são excluídos em detrimento de uma minoria que são selecionados nos chamados “peneirões”.
Vale lembrar que as crianças podem ultrapassar aquele primeiro teste, mas não outros tantos vindouros para um êxito futebolístico, por exemplo, e apenas servir para iludir a criança de um futuro promissor nos esportes como o do “Neymar”.
Outro fato é que as crianças deixam de lado o brincar e também de experimentar outros esporte, estas ficam restritas a treinamentos intensivos, em função da especialização precoce. Essa é uma característica do esporte de rendimento por que prepara atletas e como ouvimos constantemente na televisão “deve começar a treinar desde cedo, porque depois de uma certa idade não se aprende mais”.
Uma citação que traduz a lógica da pedagogia do rendimento é quando Alves (2001) comenta a tão prosaica pergunta: o que você vai ser quando crescer? Ele diz que soa “como se o verbo ser fosse nos hipotecado na infância, condenados a lógica do sucesso, a lógica que impõem mais sucesso na transformação do corpo infantil brincante, no corpo adulto produtor.”
A adultização da criança esta atrelada a prepará-la para o mundo adulto. Mundo no qual as relações são extremamente competitivas funciona como uma condição a criança que se prepara desde de cedo para está lógica, não terá dificuldades em se adaptar ao mundo da vida.
Nesse modelo técnico desportivo são valores capitalistas que estão sendo passados de uma maneira tão sutil através da mídia e de práticas de vencer a qualquer preço que ninguém percebe. Isso vira um ciclo quase imperceptível, virou muito natural aos nossos olhos, treinar a criança para vencer. Se tiver que cometer uma agreção, vamos lá é apenas um meio para um fim justificável – a vitória – e no jogo de futebol vale tudo, pois a pena máxima pode ser uma expulsão e nada além disso. A sensação de vitória proporcionada pelo esporte recompensaria qualquer sacrifício seja físico ou contra os nossos princípios morais.
Criatividade, autonomia e cooperação. Modelo crítico
“A história do futebol é uma viagem do prazer ao dever. Ao mesmo tempo em que o esporte se tornou uma indústria, foi desterrado a beleza que nasce da alegria de jogar pelo prazer de jogar. Nesse mundo do fim de século, o futebol profissional condena o que é inútil, e é inútil o que não é rentável. (...) o jogo se transformou em espetáculo, com poucos protagonistas e muitos espectadores, futebol para olhar e o espetáculo se transformou num dos negócios mais lucrativos do mundo, que não é organizado para ser jogado, mas para impedir que se jogue. A tecnocracia do esporte profissional foi impondo um futebol de pura velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia” (GALEANO, 1995, p.2).
A abordagem critico-emancipatória contrapõe-se ao modelo descrito acima. Ao passo que se caracteriza por ações comunicativas, pela problematização, a escola deve fazer a interação com a sociedade e prima pela democracia. Já o conhecimento deve estar de acordo com o contexto social do aluno, respeitar as individualidades e não deve ser apenas praticado, mas estudado com objetivo de justificar a mesma.
O futebol nas aulas de Educação Física ganha um novo enfoque apresentando um amplo leque de possibilidades. Com isso não ocorre apenas a prática pela prática, mas está amparado por inúmeras correntes pedagógicas como a critico-emancipatória que justificam o porquê de desenvolver determinado conteúdo.
Quanto ao processo de ensino aprendizagem do futebol deve-se conhecer e analisar o movimento consciente de seu significado. De posse desse signo é de suma importância que haja a reflexão desse fenômeno sócio-cultural. Portanto, a partir desses dois fatores acredito que estaremos fazendo uma transformação didático-pedagógica dos esportes, influenciando diretamente na educação das crianças.
A metodologia utilizada se dá através de encenações, ou seja, atividades-problema que os alunos terão para resolver de maneira criativa. Essas encenações devem ser oportunidades excelentes de pensar uma determinada atividade como faze-la e refletir o porquê foi escolhida aquela solução e não outra. Com isso acaba desenvolvendo, não só no futebol, a autonomia do cidadão que é uma das intenções da abordagem critico-emancipatória.
Considerações finais
Nesse trabalho procurou-se desenvolver algumas idéias de como está sendo ensinado o conteúdo futebol nas escolas. Podemos observar este é muito utilizado, porém poucos professores atribuem o real valor a um conteúdo tão importante.
No modelo técnico-desportivo, a imitação de exercícios e o treinamento intensivo se destacam nas escolas. Porém, devemos atentar pelo fato de que são falsos valores, os quais estão sendo veiculados, a todo momento, pela mídia que se o aluno treinar muito poderá se tornar um campeão de futebol e receber milhões de dólares de algum clube estrangeiro.
Já no modelo crítico há preponderância do conhecimento e da reflexão sobre o futebol. A partir desses dois fatores acredito que estaremos fazendo uma transformação didático-pedagógica dos esportes, influenciando diretamente na educação das crianças e a prática pela prática passa a dar lugar a autonomia.
De posse do entendimento do futebol como um fenômeno social, reflete-se sobre o poder que a institucionalização deste tem não sendo reconhecido pela sociedade como competitivista, autoritário, hierárquico, disciplinador, alienador. Ao contrário disso é reconhecido como meio de socialização. Acreditamos que é imprescindível o futebol ter um sentido/significado na educação das pessoas, influenciando diretamente na autonomia do cidadão e por isso cremos que deve haver uma mudança nessa arraigada situação educacional.
É imprescindível ressaltar que a preocupação do futebol não é com a habilidade que os infantes apresentam nas escolas, a qual atribui-se nota dez. Contudo é preocupante a autonomia que esse esporte deveria desenvolver nas crianças e não o faz tendo na maioria das vezes é nota zero. A escola como uma instituição cada vez mais complexa está sendo a cada dia desafiada a repensar sua prática pedagógica. Educar alunos que se tornem cidadãos na formação de uma sociedade mais justa e que sejam capazes de refletir com autonomia pensando num beneficio coletivo.
Referências
ALVES, F. O pássaro no ombro. In: A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir. Campinas: Papirus, 2001.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. (Coleção Magistério 2º grau. Série Formação de Professores).
KRUG, H.N. A valorização da Educação Física no ensino fundamental em Santa Maria (RS). In: SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA, XXII, 2003, Pelotas. Anais, Pelotas: ESEF/UFPEL, 2003.
Bibliografia consultada
KUNZ, E. (Org.). Didática da Educação Física III. Futebol. 2. ed. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2005.
TUBINO, M.J.G. Esporte e cultura física. Ibrasa, 1992.
TUBINO, M.J.G. Esporte e cultura física. Ibrasa, 1992.
TUBINO, M.J.G. O esporte como uma dimensão social do fenômeno esportivo no Brasil. In: CONFERÊNCIA BRAILEIRA DE ESPORTE EDUCACIONAL. Memórias: Conferência Brasileira de Esporte Educacional. Rio de Janeiro: Editora Central da Universidade Gama Filho, 1996.
Olá, gostaria de parabeniza-la pelo belo texto que escreveste. O tema tem uma relevância que merece destaque no contexto escolar.
ResponderExcluirRealmente, a monocultura do futebol nas aulas de Educação Física tem ênfase e muitas vezes não se estabelece um processo de ensino aprendizagem, visam apenas o alto rendimento que tem influência da mídia e da maneira como a sociedade é estabelecida.
Uma sugestão seria talvez para um próximo texto, trazer uma discussão sobre o 'enfrentamento' que nós professores devemos fazer sobre essa temática nas nossas aulas, que tipos de questionamentos fazer para que o aluno compreenda sobre valores que o esporte se estabelece.