sábado, 3 de março de 2012

A PUNIÇÃO DOS ALUNOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Hugo Norberto Krug

Considerações iniciais a respeito da punição dos alunos na Educação Física Escolar
        De acordo com Marques (2004) toda ação humana tem conseqüência. Não importa se é uma escolha, uma interação ou um ato, a conseqüência é inevitável. É o resultado, o efeito, o fruto. O efeito de um ato pode levar a uma decepção ou à satisfação; o efeito de uma escolha pode levar ao sucesso ou ao fracasso; o efeito de uma interação pode levar ao prazer ou à frustração. O fruto de um comportamento pode ser uma sensação agradável ou desagradável. Consideramos o agradável positivo e o desagradável negativo. Muitas vezes, porém, o que é aparentemente positivo pode se tornar negativo.
        O autor destaca que o efeito é algo que percebemos com a experiência. Assim, precisamos tirar lições das experiências pelas quais passamos, isto é, podemos aprender, mudar e crescer com as experiências.
        A partir destas premissas descritas este ensaio teve como objetivo contribuir para o aprofundamento do debate acerca da punição dos alunos na Educação Física escolar.

O conceito de punição
        Ao se falar de escola, a palavra “punição” para Shigunov (1991) é tida como toda ação do professor em castigar, reprimir ou penalizar uma manifestação julgada incorreta do aluno.

A socialização da criança e a punição
        Conforme Marques (2004) a criança não tem noção das conseqüências. Aprende com a vida. Paga um preço pela qualidade das escolhas que faz, das reações que tem, dos relacionamentos que cultiva. Ela precisa ser orientada e protegida pelos professores e as instituições. É o processo de socialização, em que ocorre a transição de uma atitude individualista para uma postura de participação social. De impulsiva, imediatista e egocêntrica, a criança torna-se controlada, capaz de retardar a satisfação e preocupada com os outros. Há uma evolução de egoísta para altruísta, de dependente para interdependente, de submissão para emancipação, de irresponsabilidade para responsabilidade.
        O processo de socialização no contexto familiar é de responsabilidade exclusiva dos pais, mas também dos professores. Os pais inicialmente e os professores tem o dever de socializar as crianças. As conseqüências que as crianças vão sofrer refletem a maneira como os pais e os professores lidam com eles. Há outras influências. Muitos pais e professores querem técnicas específicas para educar as crianças. Elas não existem, porque estão dentro do contexto maior das relações como um todo.
        Há vários estilos de relação. Vamos fazer um paralelo entre duas atitudes de pais e professores. Há o pai e/ou professor caloroso, afetivo, amoroso; e o pai e/ou professor negligente, hostil, rancoroso. Os ingredientes do pai e/ou professor caloroso, como o elogio, o diálogo e a indução, jamais serão usados pelo pai e/ou professor hostil. O pai e/ou professor amoroso usará à punição psicológica, que é a privação do amor; o pai e/ou professor hostil aplicará a punição física. O pai e/ou professor caloroso é admirado; o hostil é rejeitado. O pai e/ou professor caloroso se torna um modelo positivo a ser respeitado e imitado; o pai e/ou professor hostil será um modelo negativo a ser temido e evitado.
        Da combinação do calor humano com o controle ou de amor com os limites por parte dos pais e/ou professor, as crianças saem mais competentes, mais amigos, e apresentam comportamentos menos infantis, menos imaturos e menos impulsivos. Vale o esforço para usar o calor humano e a firmeza, para que as crianças sejam mais equilibradas emocionalmente, mais amadurecidas nas suas escolhas e mais adequadas na vivência de seus valores.
        Entre as técnicas usadas para controlar as crianças, uma das mais discutidas é a punição. Desde o início do século passado, começou uma divergência sobre a sua utilização na educação das crianças. Para alguns, é válida; para outros, não. Em 1932, Thorndike afirmava que a punição não enfraquece a tendência de responder de uma certa forma. Três décadas depois, Berkowitz e outros sugeriram que a punição talvez possa dar efeito se aplicada no início da ação, desde que existam alternativas de comportamento. Porém, mesmo havendo alternativas, ocorrem resultados negativos, como a frustração, a agressão, o ressentimento e a perda da motivação.
        Da década de 60, até nossos dias, a divergência não acabou. Ouve-se de tudo, lê-se de tudo. O próprio conceito de punição não é claro. Pode ir desde uma surra violenta ao simples dizer “não” para a criança. É difícil encontrar o bom senso e o equilíbrio dentro de tamanha confusão de leigos e autoridades. Mas podemos indicar alguns pontos relevantes.
        Por punição entenda-se a aplicação intencional de estímulo doloroso e desagradável sobre a criança. O estímulo é aplicado na tentativa de controlar o comportamento da criança. O que se quer é demonstrar a desapropriação do comportamento, na esperança de impedir sua repetição.
        O estímulo negativo ou desagradável pode ser na forma de reprovação, correção verbal, ridicularização, privação de algo desejado ou possuído. Pode ser também espancamento, dor física, tapa, beliscão, puxão de orelha ou de cabelo, chacoalhar a criança no ar. Estes são os estímulos mais usados. Infelizmente, há outros mais cruéis, que não merecem entrar na lista.
        É digno de nota o fato de que o estímulo negativo é aplicado depois que a criança já agiu. Quando se pune, a criança já aprontou e o comportamento já ocorreu. Na maioria das vezes, o efeito da punição está em parar uma resposta que já parou. Ela inibe uma ação que já acabou. No restante das vezes, a atmosfera entre pais e/ou professores e a criança está tão caótica, a tensão emocional está tão confusa, que se torna difícil saber o que realmente está acontecendo. A punição é aplicada de forma errada, inconstante e confusa.

Os efeitos da punição na criança
        Segundo Marques (2004) a punição pode interromper um comportamento, mas não o elimina. Nada impede de acontecer de novo. Para garantir o resultado de extinguir o comportamento, deve-se estar preparado para continuar punindo sempre que ele ocorrer. Se a punição for interrompida, o comportamento pode se manifestar de novo da mesma ou de outras formas. A punição não lida com a causa do comportamento indesejado.
        Se a criança for muito punida, ela pode aprender que é melhor ser punida para ter o mínimo de atenção dos professores. Mesmo a atenção sendo negativa, obtida com dor e humilhação, é melhor do que nenhuma atenção. Assim, a criança pode se engajar em comportamentos indesejados ou negativos só para ser punida e ter atenção.
        Um problema sério da punição é a qualidade da resposta emocional da criança. O estado emocional criado pode ter um efeito muito mais duradouro do que se deseja e espera. Às vezes, há um condicionamento de respostas emocionais, como a ansiedade, o medo, o ódio e a raiva. Além disso, a resposta emocional pode voltar-se contra quem pune. Se o comportamento indesejado não é interrompido, os professores passam a serem evitados. A punição pode despertar uma tendência de contra-ataque. Afinal, agressão gera agressão. A criança pode reagir de várias maneiras: ficando emburrada, vingativa e obstinada. Ela pode desafiar e enfrentar o agente punidor.
        Os efeitos da punição podem ser vistos na trajetória de pessoas que passam pela vida cheias de medos. Pior ainda, elas tendem a provocar nos outros um tratamento negativo para aliviar o que se define na logoterapia como ansiedade antecipatória. Se o mal parasse nas crianças, estaria bom. Mas ele é transmitido futuramente aos seus filhos quando se tornarem adultos e até aos seus netos e bisnetos. Há uma cadeia interminável de punição e desajustes.
        Para ensinar algo é necessário criar, estimular, provocar novas respostas desejadas. É recompensando, reconhecendo e valorizando o que se deseja que a criança responde adequadamente. Todo o cuidado é pouco para não inibir o ímpeto de exploração do ambiente e do movimento, a curiosidade e a iniciativa da criança, quando se quer ensinar algo.
        Na punição, não se criam novas opções; só se interrompe a opção em andamento. Portanto, qualquer resposta ou reação pode ser esperada de uma criança punida. Ela é imprevisível. A resposta depende da experiência prévia da criança e de sua capacidade criativa e de improvisação.
        Os professores não devem confundir punição com firmeza. São conceitos diferentes. É possível punir sem firmeza e ser firme sem punir. Na firmeza, os professores não entram numa disputa de vontade, força e poder com a criança. Eles expressam o que desejam com precisão, exatidão e clareza. Demonstram o que esperam com convicção, energia e insistência. Mantêm o foco no que querem e não no incômodo que a criança está provocando. A atenção é direcionada para o problema e não para o sentimento que possam estar experimentando.
        Firmeza tem a ver com segurança pessoal na conduta, constância nas medidas educativas e coerência na ação. A criança reconhece a firmeza e, na maioria dos casos, a colhe. Mas ela é muito hábil para captar a insegurança e a instabilidade dos professores.
        Uma relação de crescimento entre professores e a criança deve estar alicerçada na segurança, na convicção interior, na objetividade, na justiça, na bondade e na compreensão. A relação deve ser alimentada e mantida pelo interesse na tarefa comum, e não pela dominação e submissão. A relação deve ser enfeitada pela cooperação e o respeito mútuo. Assim, as crianças viverão pelas conseqüências e não pela punição.

Considerações finais a respeito da punição dos alunos na Educação Física Escolar
Galloway (1981) afirma que todas as formas de punição podem ser substituídas por formas mais adequadas que estas.
Destacamos que as formas de punição encaminham o aluno para o fracasso ou êxodo escolar, enquanto que outras formas mais motivadoras, minimizam as dificuldades da aprendizagem escolar.
Shigunov (1991) lembra que, o castigo corporal e as outras sanções punitivas aos alunos são proibidos por lei, sendo o professor que adotar estas medidas disciplinares passível de responder por seus atos perante a lei.

Referências
Galloway, C. Psicologia da aprendizagem e do ensino. São Paulo: Cultrix, 1981.

Marques, B. Sábia disciplina: a firmeza apresenta resultados mais positivos na educação dos filhos do que a punição. Revista Vida e Saúde, São Paulo, a.66, n.2, p.48-49, fev., 2004.

Shigunov, V. A relação pedagógica em Educação Física. Influência dos comportamentos de afetividade e instrução dos professores no grau de satisfação dos alunos, 1991, Lisboa. Tese (Doutorado em Motricidade Humana) - Faculdade de Motricidade Humana / Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 1991.

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