quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A INDISCIPLINA DOS ALUNOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Hugo Norberto Krug

Considerações iniciais a respeito da indisciplina dos alunos na Educação Física Escolar
Uma série de fatores podem dificultar a atividade pedagógica dos professores nas escolas, em especial a indisciplina dos alunos, que, sem dúvida alguma, pode tornar-se um sério obstáculo para o alcance dos objetivos educacionais (Silva; Krug, 2002).
        Segundo Aquino (1996) há muito tempo os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Também, está claro que, a maioria dos educadores não sabe como interpretar e administrar o ato indisciplinado.
        Desta forma, não apenas os professores experimentados, mas, também, os futuros professores em situação de estágio curricular, tornaram-se reféns do emaranhado de situações que a indisciplina escolar comporta, ocasionando assim, dificuldades na prática pedagógica dos mesmos (Silva; Krug, 2002).
        Como na literatura especializada em Educação Física escolar são raras as publicações envolvendo a indisciplina dos alunos, este ensaio teve como objetivo contribuir para o aprofundamento do debate acerca da indisciplina dos alunos na Educação Física Escolar, pois segundo Jesus (2001) é importante a análise da indisciplina na atualidade, já que esta se constitui no principal fator de stress dos professores.

O conceito de indisciplina
        Segundo Rego (1996) existe uma falta de clareza e consenso a respeito do significado do termo indisciplina, sendo que a maior parte das análises parece expressar as marcas de um discurso fortemente impregnado pelos dogmas e mitos do senso comum. Destaca que os conceitos de indisciplina estão longe de serem consensuais, não só pela complexidade, mas também pela multiplicidade de interpretações que o tema encerra.
        A autora citada ainda ressalta que o conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade. Também no plano individual a palavra indisciplina pode ter diferentes sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do contexto em que forem aplicadas.
        Entretanto, segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa (Ferreira, 1986, p.595) indisciplina é todo "procedimento, ato ou dito contrário à disciplina que leva à desordem, à desobediência, à rebelião". Sendo assim, indisciplinado é aquele que se insurge contra a disciplina.
        Taille (1996) destaca que se definirmos disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: a) a revolta contra estas normas - traduz-se por uma forma de desobediência insolente; e, b) o desconhecimento delas - traduz-se pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações.

As causas da indisciplina dos alunos
        De acordo com Rego (1996), no cotidiano escolar, os educadores, aturdidos e perplexos com o fenômeno da indisciplina, tentam buscar, ainda de que de modo impreciso e pouco aprofundado, explicações para a existência de tal manifestação.
        A autora destaca que muito freqüentemente vêem a indisciplina como um sinal dos tempos modernos, revelando uma certa saudade das práticas escolares e sociais de outrora, que não davam margem à desobediência e inquietação por parte das crianças e adolescentes.
        É comum também verem a indisciplina na aula como reflexo da pobreza e da violência presente de um modo geral na sociedade e fomentada, de modo particular, nos meios de comunicação, especialmente a TV.
        Muitos atribuem a culpa pelo comportamento indisciplinado do aluno à Educação recebida na família, assim como à dissolução do modelo nuclear familiar.
        Outros parecem compreender que a manifestação de maior ou menor indisciplina no cotidiano escolar está relacionada aos traços de personalidade de cada aluno.
        Uma outra maneira de justificar as causas da indisciplina na escola, bastante presente no ideário educacional, se refere à tentativa de associar o comportamento indisciplinado a alguns traços inerentes à infância e à adolescência.
        Já os profissionais da Educação (diretores, coordenadores, técnicos, etc.) e muitos pais, quando provocados a analisar as possíveis causas da incidência da indisciplina nas escolas, muitas vezes, acabam por atribuir a responsabilidade ao professor, pela sua falta de autoridade, de seu poder de controle e aplicação de sanções.
        Do ponto de vista do aluno indisciplinado, os motivos alegados costumam ser um tanto diferentes. Com bastante freqüência, dirigem suas críticas ao sistema escolar. Reclamam não somente do autoritarismo ainda tão presente nas relações escolares, mas também da qualidade das aulas, da maneira que os horários e os espaços são organizados, do pouco tempo de recreio, da quantidade de matérias incompreensíveis, pouco significativas e desinteressantes, da aspereza de determinado professor, do espontaneismo de outro, da falta de clareza dos educadores, das aulas monótonas, da obrigação de permanecerem horas sentados, da escassez de materiais e propostas desafiadoras, da ausência de regras claras, etc.
        Na análise deste quadro a autora citada destaca o seguinte: a) primeiramente, é possível observar que o lugar ocupado por cada um dos elementos no sistema educacional parece alterar significativamente o seu modo de explicar as razões da incidência da indisciplina na escola. Entretanto, o predomina, um olhar parcial e pouco aprofundado sobre o problema, pois parecem fundamentais em explicações do senso comum ou pseudocientíficas; e, b) em segundo lugar, é possível observar que na busca dos determinantes da indisciplina, a influência de fatores extra-escolares no comportamento dos alunos, na visão de muitos educadores, parece ocupar o primeiro plano. Deste modo, a solução para o problema da indisciplina não estaria ao alcance dos educadores.
        A autora citada diz que estas posições precisam ser revistas, já que as explicações, mitos e crenças sobre o fenômeno da indisciplina na aula difundidos no meio educacional, além de acarretarem preocupantes implicações à prática pedagógica, se embasam em pressupostos preconceituosos, superados e equivocados sobre as bases psicológicas, biológicas e culturais envolvidas na formação de cada pessoa.

As conseqüências da indisciplina dos alunos
        Taille (1996) diz que a indisciplina dos alunos tem diversas conseqüências para o processo ensino-aprendizado, e, destaca que a disciplina é bom porque, sem ela, há poucas chances de se levar a bom termo um processo de ensino-aprendizagem.
        Silva e Krug (2002) no estudo intitulado "A indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física nas séries iniciais do ensino fundamental: o caso dos futuros professores de Educação Física da UFSM em situação de estágio curricular" os acadêmicos apontaram as seguintes conseqüências da indisciplina dos alunos: a) atrapalha o andamento das atividades; b) ocorrência de animosidade entre professor e alunos; c) dificuldade de aprendizagem pelos alunos; d) gera mais agressões entre os alunos; e) término antecipado da aula; f) perda do controle da aula pelo professor; e, g) perda de tempo da aula.

Como os professores tratam os alunos indisciplinados?
        De acordo com Valle e Zamberlan (1996) a indisciplina dos alunos que acontecem no cotidiano escolar constitui-se em situações constantes que os professores não sabem lidar.
        Segundo Jesus (2001), especificamente, no que diz respeito à gestão da indisciplina dos alunos, são necessárias medidas ao nível sócio-político, ao nível da escola e ao nível da relação pedagógica do professor. Entre as medidas do professor estão: a) manter-se sempre calmo, sereno e seguro; b) ser flexível, desde que coerente, na sua forma de atuação; c) evitar confrontos desnecessários, sendo mais tolerante; d) não se distanciar dos alunos indisciplinados; e) tendo em conta que os comportamentos de disciplina também podem ser aprendidos, enfatizar os aspectos positivos do comportamento e da aprendizagem dos alunos; d) fazer com que os alunos voltem a acreditar que podem vir a alcançar resultados escolares positivos; e) delegar funções de "assistente" ao líder informal da turma, responsabilizando-o inclusivamente pela gestão do comportamento dos colegas; f) separar os alunos que perturbam; g) repreender os alunos em particular e apenas quando tal atitude é efetivamente necessária; h) identificar os casos de alunos com problemas familiares e tentar contribuir para a resolução de tais problemas; e, i) estabelecer contratos (gestão de contingências) que identifiquem os comportamentos a corrigir pelos alunos, no sentido de os responsabilizar e de os levar a desenvolver uma "disciplina Interior" ou "autodisciplina".
        O autor destaca ainda que, cada professor deve procurar aprender a partir da própria experiência, sendo coerente consigo mesmo. Fundamentalmente, se o professor quer ser respeitado pelos seus alunos, tem que ele próprio respeitar-se e apreciar as suas qualidades pessoais e profissionais. Assim, uma das regras que o professor deve ter em conta é tentar analisar o seu próprio comportamento faze a situações de indisciplina dos alunos e procurar aprender com essa experiências, no sentido de um maior auto-conhecimento e aperfeiçoamento progressivo.

Considerações finais a respeito da indisciplina dos alunos na Educação Física Escolar
Destacamos que abordar o tema indisciplina nas aulas de Educação Física é muito delicado e até perigoso, por três motivos:
1º) Pode-se facilmente cair no moralismo ingênuo e, sob a aparência de descrever o real, tratar de normatizá-la;
2º) Pode-se facilmente cair no reducionismo, que explica um fato por uma única dimensão (psicológico, sociológico); e,
3º) Pode-se facilmente cair na complexidade e, até, ambigüidade do tema, afinal, de fato, o que é disciplina? O que é indisciplina?
        Entretanto, ao assumirmos os riscos da abordagem desta temática, constatamos, em alguns estudos (Pinto Filho, 1999; Ribas, 1995; Silva; KruG, 2002) que no meio educacional, particularmente na disciplina de Educação Física, a maioria dos professores compreendem a indisciplina, manifestada por um indivíduo ou um grupo, como um comportamento inadequado, um sinal de rebeldia, intransigência, desacato, traduzida na falta de educação ou de respeito pela autoridade do professor, na bagunça ou agitação motora. A indisciplina é vista como uma espécie de incapacidade do aluno (ou de um grupo) em se ajustar às normas e padrões de comportamentos esperados.
        Nesta perspectiva, qualquer manifestação de inquietação, questionamento, discordância, conversa ou desatenção por parte dos alunos é entendida pelos professores, como indisciplina, já que buscam obter a tranqüilidade, o silêncio, a docilidade, a passividade das crianças de tal forma que não haja nada nelas, nem fora delas que as distraiam dos exercícios passados, nem fazer sobra às suas palavras.
        Como recomendação para combater este entendimento de indisciplina dos professores, citamos Araújo (1996) que diz que, se um dos objetivos da Educação é o de auxiliar o sujeito a construir uma autonomia do pensamento que obrigue sua consciência a respeitar às regras do grupo depois de raciocinar com base em princípios de reciprocidade se aquela regra é justa ou não, isto deverá ser alcançado por meio de relações que não envolvam coação e o respeito unilateral; caso contrário, poderá se obter um comportamento desejado pelo aluno, mas ao preço de reforçar a heteronomia e não um juízo autônomo.
        Portanto, somente uma transformação no tipo das relações estabelecidas dentro das escolas, familiares e da sociedade poderá fazer com que o problema da indisciplina seja encarado sob uma perspectiva diferente. Nesse sentido, deve-se objetivar que os princípios subjacentes às regras a serem cumpridas pelo sujeito tenham como pressuposto os ideais democráticos de justiça e igualdade, bem como a construção de relações que auxiliem esse sujeito a obrigar sua consciência a agir com base no respeito a esses princípios, e não por obediência.
Taille (1996) ressalta que um aluno pode ter um comportamento disciplinado por dois motivos: a) pela simples boa Educação; e, b) pelo medo do castigo. Entretanto, qual é o motivo desejável? Pense caro leitor e responda para depois adotar a postura pedagógica mais adequada.

Referências
Aquino, J.R.G. Apresentação. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. p.7-8.

Ferreira, A.B.H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

Jesus, S.N. de. Como prevenir e resolver o stress dos professores e a indisciplina dos alunos? Cadernos do CRIAP. Porto (Portugal): ASA Editores, 2001.

Rego, T.C. A indisciplina e o processo educativo: uma análise na perspectiva vygotskiana. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. p.83-101.

Pinto Filho, F.P. A agressividade nas aulas de Educação Física, 1999, Brasília. Monografia (Especialização em Educação Física Escolar) - Faculdade de Educação Física / Universidade de Brasília, Brasília, 1999.

Ribas, J.F.M. Situações de agressividade em competições de handebol, 1995, Campinas. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física / Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.

Silva, M.S. da; Krug, H.N. A indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física nas séries iniciais do ensino fundamental: o caso dos futuros professores de Educação Física da UFSM em situação de estágio curricular. In: Congresso Mercosul de Cultura Corporal e Qualidade de Vida, II, Ijuí. Anais, Ijuí, 2002. p.57.

Taille, Y. de L. A indisciplina e o sentimento de vergonha. In: Aquino, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1996. p.9-23.

Valle, M.C.C. do; Zamberlan, M.A.T. Padrões de comportamentos disciplinares do aluno: dificuldades associadas aos processos interacionais no cotidiano escolar. In: Reunião Anual ANPEd, 19, Caxambú. Programa, Caxambú, 1996. p.238.

3 comentários:

  1. Olá Krug.
    Vc termina artigo fazendo bons questionamentos. Muito bom.
    Tenho discutido a "indisciplina na Educação Física" desde 2005. Procuro apontar, em meus textos, que tal fenômeno tbém está presente nessa matéria. Abraço
    Clovis Brito (crovao_8@hotmail.com)

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    1. Olá Clóvis! É um enorme prazer ficar sabendo que você teve acesso e leu este modeste ensaio sobre a indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física na escola. Desculpe responder somente agora (quase um mês depois, mas é que estava em férias (fevereiro) e depois teve o início das aulas, fato este que nos envolve de tal maneira que nos faz selecionar prioridades de atendimento. Quero dizer-te que não sou um estudioso desta temática mas que procuro, como professor de Estágio Curricular Supervisionado em Educação Física, tratar esta problemática com meus alunos, procurando abordá-la da melhor forma possível. Também fico na expectativa de como você conseguiu acessar este blog, pois o temos como um mecanismo de interação entre os seus integrantes. Este fato também nos deixa alegres pela sua participação. Abraços Prof. Hugo.

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  2. Olá Hugo!
    Retornei para o Brasil recentemente e estou tentando deixar minha caixa de email vazia. Estava na Europa realizando o meu doutorado sandwich. Como pesquisador, tenho um buscador de assuntos que me levou a este blog.
    Já deve estar de férias,... enfim
    Fico contente em saber que a indisciplina escolar também é discutida na educação física, item que tenho apontado em diversos artigos acadêmicos publicados e mesmo em encontros com professores de educação física.
    Em minha dissertação, defendida em 2007, falei sobre tal questão "A indisciplina na Educação Física Escolar". Parabéns pelo trabalho e vamos conversando.
    Abraço
    Clovis Brito

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