segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Hugo Norberto Krug

Considerações iniciais a respeito da construção da cidadania na Educação Física Escolar
        A Educação Física é uma disciplina que faz parte do currículo escolar e, portanto, está inserida na escola com a intenção de educar o aluno, isto é, auxiliar no desenvolvimento de suas potencialidades motoras, cognitivas, afetivas, sociais, etc.
O professor de Educação Física em sua docência tem que levar em consideração a sua visão de mundo, isto é, visão de homem e sociedade, para poder responder a questões tais como: que tipo de homem e sociedade quero formar? Para que sociedade este homem vai ser formado? Ao responder estas questões, o professor deverá decidir sobre a concepção de ensino que norteará a sua prática, que logicamente deverá estar coerente com a sua visão de mundo. Hildebrandt (1985) coloca duas alternativas de concepção de ensino, que são: a) concepção de ensino fechada, que tem o professor como centro do processo de ensino; e, b) concepção de ensino aberta, onde o aluno é o centro do processo.
        Outra tomada de decisão do professor é em relação ao planejamento do ensino. Decidirá de acordo com sua concepção, sobre os objetivos, conteúdos, procedimentos metodológicos e avaliação que nortearão a sua disciplina. Ressaltamos que toda esta seqüência, visão de mundo/postura pedagógica/concepção de ensino/planejamento de ensino, tem que estar coerente.
        Esta intencionalidade do ato pedagógico está intimamente ligada com a construção da cidadania e, desta forma, pretendemos, com esta explanação, salientar a importância do professor de Educação Física na construção da cidadania de seus alunos em uma concepção de ensino transformadora.

O papel do professor de Educação Física e a construção da cidadania nas diversas tendências didático-pedagógicas da Educação Física
        De acordo com Ghiraldelli Júnior (1988) a Educação Física brasileira, sofreu e ainda sofre, influências de diversas tendências didático-pedagógicas. São elas: a) Educação Física Higienista (até 1930); b) Educação Física Militarista (1930-1945); c) Educação Física Pedagogicista (1945-1964); d) Educação Física Competitivista (Pós 1964); e, e) Educação Física Popular.
        Com breves palavras procuraremos explicitar, nas diversas tendências didático-pedagógicas, o papel do professor de Educação Física e a construção da cidadania.
        Na Educação Física Higienista existe uma busca de indivíduos fortes e sadios, portanto, há uma preocupação com a saúde individual e coletiva. Nesta tendência, o professor aparece como um disciplinador de hábitos das pessoas no sentido de afastá-las de atividades de deteriorização da saúde e da moral. O professor de Educação Física, nesta tendência, auxilia na construção de um cidadão que, em primeiro lugar, preocupa-se com a saúde e a moral. Ressaltamos que, segundo Luckesi (1994) e Ghiraldelli Júnior (1988), esta tendência faz parte da Pedagogia Liberal que tem por função preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos valores e normas sociais vigentes na sociedade. Devido a este fato, esta tendência é um arcabouço da ideologia dominante.
        A Educação Física Militarista busca uma assepsia corporal e depuração da raça. Há uma preocupação com uma juventude capaz de suportar o combate, a luta, a guerra, pois esta deve ser a "defensora da Pátria". Nesta tendência, o professor de Educação Física atua como formador do "cidadão-soldado", capaz de obedecer cegamente e de servir de exemplo (Ghiraldelli Júnior, 1988). Neste caso, o processo de construção da cidadania do aluno passa, nas aulas de Educação Física, pelo desenvolvimento da coragem, da vitalidade, do heroísmo e da disciplina exarcebada, porque ele deve estar preparado para defender a Pátria a qualquer momento. Esta tendência também faz parte da Pedagogia Liberal, portanto, também é um arcabouço da ideologia dominante.
        Na Educação Física Pedagogicista desenvolve-se um caráter mais educacional para a Educação Física e ela é encarada como algo "útil e bom socialmente". Acontece uma consolidação da Educação Física como uma disciplina escolar (Ghiraldelli Júnior, 1988). Nesta tendência, o professor de Educação Física leva os alunos à aceitar às regras do convívio democrático, mas advoga uma neutralidade em relação aos conflitos político-sociais. Assim, a construção da cidadania, nas aulas de Educação Física, passa pelo desenvolvimento de um aluno passivo que aceita às regras do "jogo" e fica "do lado de fora" porque é neutro. Baseado em colocações de Luckesi (1994) em sua obra "Filosofia da Educação" podemos dizer que esta tendência, também faz parte da Pedagogia Liberal, sendo, portanto, um arcabouço da ideologia dominante.
        A Educação Física Competitivista é aquela onde a Educação Física fica reduzida ao desporto de alto nível. Existe um culto ao "atleta-herói". Esta Educação Física contribui para a formação de atletas através do incentivo ao esporte. Nesta tendência, o professor de Educação Física incentiva a competição e a superação individual como valores fundamentais da sociedade moderna (Ghiraldelli Júnior, 1988). A construção da cidadania, nas aulas de Educação Física, acontece com o desenvolvimento de um aluno competitivo e que se supera para alcançar um lugar na sociedade. Fundamentando-nos em Luckesi (1994) podemos afirmar que esta tendência didático-pedagógica da Educação Física faz parte da Pedagogia Liberal, servindo de arcabouço da ideologia dominante.
        Finalmente, a Educação Física Popular, que segundo Ghiraldelli Júnior (1988) não está preocupada com a saúde pública e, não pretende ser disciplinadora de homens e muito menos dedica-se ao incentivo da busca de medalhas. Nesta tendência, os conteúdos da Educação Física assumem o papel de promotores da organização e mobilização das classes populares para o embate imposto pela luta de classes. Desenvolve-se "com e contra" as concepções ligadas a ideologia dominante (Coletivo de Autores, 1992). Fundamentando-nos em Luckesi (1994), esta tendência inclui-se na Pedagogia Progressista, pois partindo de uma análise crítica das realidades sociais, sustenta, implicitamente, as finalidades sócio-políticas de uma Educação Transformadora.
        Pelo exposto acima, podemos notar que a escola exerce funções na sociedade, e estas funções estão expressas nas diversas tendências didático-pedagógicas da Educação Física, onde todas emergem de um sistema político capitalista.
        A função social que a escola tem assumido historicamente, e o professor como mediador, constituem-se em mecanismos funcionais à atual etapa de desenvolvimento do capitalismo. Com base nesta realidade a escola, e a Educação Física estão a serviço do Estado, e neste caso, a construção da cidadania dependerá do Estado. Entretanto, Resende (1994) coloca que todo cidadão para atuar satisfatoriamente na sociedade necessita apropriar-se de conhecimentos que o habilitem a superar o senso comum; precisa compreender o significado histórico-social dessas produções; e precisa enxergar criticamente os sentidos, significados e valores neles contidos. O critério é a prática democrática e para isso, qualquer cidadão deve nortear suas ações e intervenções mediado por essa visão democrática de mundo.
        Resende (1994) ainda afirma que a questão da cidadania passa também e necessariamente pela escola. Segundo Marques (1988) e Coletivo de Autores (1992) a escola é capaz de desenvolver uma cidadania que rompa com os interesses da classe dominante.

O papel do professor de Educação Física em uma concepção de ensino transformadora
        Sabemos que o professor e o aluno são os sujeitos da práxis pedagógica, conseqüentemente o professor é um educador. Também podemos afirmar que o professor é um ser humano, e como tal é construtor de si mesmo e da história, através da ação, sendo determinado pelas condições que o envolve. Ele também sofre as influências do meio em que vive e com elas se auto-constrói. O professor além de ser condicionado é condicionador da história, e tem um papel específico na relação pedagógica, que é a relação de docência.
        Luckesi (1994: p.115) coloca que:

"Educador é aquele que, tendo adquirido o nível de cultura necessário para o desempenho de sua atividade, dá direção ao ensino e à aprendizagem. Ele assume o papel de mediador entre a cultura elaborada, acumulada e em processo de acumulação pela humanidade, e o educando. O professor fará a mediação entre o coletivo da sociedade e o individual do aluno. Ele exerce o papel de um dos mediadores sociais, entre o universal da sociedade e o particular do educando".

        Para exercer o seu papel, o educador deve possuir qualidades, tais como (Luckesi, 1994): a) compreensão da realidade com a qual trabalha; b) comprometimento político; c) competência no campo teórico de conhecimento em que atua; e, e) e competência técnico-profissional.
        Este mesmo autor afirma que, além das qualidades acima, o professor precisa gostar do que faz, pois antes de tudo é preciso desejar ensinar, é preciso querer ensinar. Este gostar de ensinar nada mais é do que um desejo permanente de trabalhar, para a elevação cultural dos educandos.
        Em síntese, para exercer o papel de educador em uma concepção de ensino transformadora é preciso compromisso político e competência técnica.

A construção da cidadania em uma concepção de ensino transformadora
        Nosso país, o Brasil, apresenta problemas sociais como a fome, o desemprego, a saúde, etc. É uma sociedade burguesa. É uma sociedade dividida em classes que vivem em constante luta (proprietários x trabalhadores).
        Sabemos que a escola favorece a ampliação da eficiência do processo produtivo da sociedade, apresentando-se em consonância com os princípios que regem a sociedade burguesa.
        Segundo o Coletivo de Autores (1992) devemos optar por uma prática transformadora que defenda os interesses da classe trabalhadora.
        Como se faz isto? Para Gadotti (1994) se faz isto educando para a cidadania.
        Neste sentido, de acordo com Dutra (1994) o processo de ensino deve privilegiar a cooperação, a solidariedade, a criatividade e a participação. Isto em detrimento do individualismo, da competição e da repetição mecânica.
        Mas afinal, o que é cidadania?
        Conforme Gadotti (1994) a cidadania pressupõe igualdade entre todos perante a lei e do reconhecimento de que a pessoa humana e a sociedade são detentores inalienáveis de direitos e deveres, majoritariamente reconhecidos. No lado dos direitos, repontam os direitos humanos, cuja conquista demorou milênios e traduzem a síntese de todos os direitos imagináveis que o homem possa ter. No lado dos deveres aparece, sobretudo, o compromisso comunitário de cooperação e co-responsabilidade.
        Segundo Demo (1996) os processos participativos acentuam a cidadania organizada. A organização traduz coerência participativa, estratégia de mobilização, de influência. Não interessar-se por formas de organização significa uma visão ingênua do processo social.
        Participação é o exercício democrático, pois através dela, aprendemos a eleger, deseleger, a estabelecer rodízio no poder, a exigir prestação de contas e assim por diante (DEMO, 1996).
        Boa parte da população não sabe disso.
        Para uma comunidade ter vez e voz precisa organizar-se. Desorganizada cai no conformismo sem tentar ser dona de seu destino.
        Ressaltamos que no exercício da democracia negociamos os conflitos e as divergências e com isso chegamos a um amadurecimento.
        Demo (1996) diz que o poder é o fenômeno básico da democracia e tende a concentrar-se e a perpetuar-se. Entretanto, o poder pode ser controlado pelo voto e pela informação aberta à população.
        Desta forma, entendemos que uma Educação voltada para a construção da cidadania, diz respeito a uma proposta educacional inserida em um projeto de mudança, voltado para a organização e radicalização de movimentos populares contra qualquer tipo de subordinação e exploração. Para isto, segundo Santos (1994), a escola deverá organizar-se como um espaço democrático onde através do diálogo, do questionamento crítico, baseado na concepção de homem como sujeito, a Educação escolar fortaleça e dê voz às pessoas e aos grupos sociais, pois com este tipo de Educação o estudante se forma um agente ativo capaz de participar em todas as esferas da vida pública. Salienta que a Educação Física enquanto uma parcela do todo chamado Educação, deve caminhar neste mesmo sentido, desenvolvendo em suas aulas, a participação, a cooperação, o diálogo, o questionamento, etc, que são os componentes de uma cidadania transformadora.

Considerações finais a respeito da construção da cidadania na Educação Física Escolar
        Para finalizar, salientamos que a escola deve ir em busca de uma Pedagogia Progressista de caráter logicamente transformador que parta de uma análise crítica das realidades sociais. A escola deve ser um local de luta dos professores ao lado de outras práticas sociais no sentido de obter uma sociedade mais justa. Neste sentido, a participação do professor de Educação Física é muito importante, porque no momento de sua aula ele deve construir uma cidadania que tenha como alvo, a participação, a solidariedade, a cooperação, o diálogo, o questionamento crítico, ingredientes necessários para a transformação da sociedade. Em direção desta transformação da sociedade temos, na Educação Física, algumas pedagogias emergentes que buscam esta libertação do homem dos mecanismos de opressão da classe dominante. Podemos citar a Pedagogia Crítico-Superadora proposta pelo Coletivo de Autores (1992) e a Pedagogia Crítico-Emancipatória citada por Kunz (1991). As propostas estão aí, basta abraçá-las e tornar-se uma pessoa ativa na sociedade em busca de dias melhores.

Referências
Coletivo de Autores. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

Demo, P. Participação é conquista: noções de política social participativa. São Paulo: Cortez, 1996.

Dutra, E. O papel do professor para uma metodologia transformadora. In: Educação para crescer - Projeto de melhoria da qualidade do ensino - Considerações teórico-práticas para o redimensionamento curricular. Porto Alegre: Governo do Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Educação (1991-1995), 1994. p.77-80.

Gadotti, M. A autonomia como estratégia da qualidade de ensino e a nova organização do trabalho na escola. Revista A Paixão de Aprender, Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura Municipal de Porto Alegre, n.7, p.20-29, 1994.

Ghiraldelli Júnior, P. Educação progressita: a pedagoga crítico-social dos conteúdos e a Educação Física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.

Hildebrant, R. As concepções abertas no ensino da Educação Física. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1985.

Kunz, E. Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: UNIJUÍ, 1991.

Luckesi, C.C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

Marques, M.O. Universidade e cidadania. Revista Contexto & Educação, Ijuí, a.4, n.10, p.35-58, 1988.

Resende, H.G. de . Princípios gerais de ação didático-pedagógica para avaliação do ensino-aprendizagem em Educação Física escolar. Revista Motus Corporis, Rio de Janeiro, a.II, n.4, p.4-15, 1995.

Santos, L.L. de C.P. Um currículo para a escola cidadã. Revista A Paixão de Aprender, Porto Alegre: Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura Municipal de Porto Alegre, n.7, p.6-11, 1994.

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