quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Oficina de Produção de Texto: A AVENTURA DE LER E ESCREVER! - TEXTO Nº 19

O Teatro e a Educação Física Escolar: possibilidades de um diálogo sensível na formação inicial pautado na tríade ser humano – corporeidade - sociedade

Marcele da Silva do Nascimento

            Este ensaio busca identificar as possibilidades de um diálogo sensível e interdisciplinar entre Teatro e o curso de Licenciatura em Educação Física, no intuito de contribuir para a formação inicial dos professores. A justificativa para a construção de uma rede de reflexões entre ambas áreas do conhecimento está centrada na relação ser humano – sociedade, presente na formação dos distintos profissionais.
            Esta tentativa caminha com a ideia de que a educação brasileira na atualidade passa por inúmeras tentativas de qualificação com vistas a rupturas, com os resquícios de uma concepção positivista e tecnicista. Portanto, busca tornar viva a sua crítica à mecanização e repetição, presentes nos processos de ensino e formação inicial dos professores.
            Neste sentido, reflete as inúmeras áreas do conhecimento presentes na escola básica, que hoje caminham para uma significativa ruptura com a fragmentação e, no caso específico da Educação Física, que concebe  experimentar um novo conceito: corporeidade.
            O Teatro, arte milenar que centra seu trabalho e desenvolvimento no corpo humano, ou no corpo em movimento, aproxima-se do conceito de corporeidade que aflora nos currículos e diretrizes dos cursos de formação inicial dos licenciados em Educação Física.
            Este percurso de aliar áreas e campos do conhecimento na tentativa de [re]significar a formação de professores no Brasil, surge em oposição ao mecanicismo típico de nossa herança positivista.
            Neste sentido apresenta-se o Teatro, em específico o Teatro – educação como um recurso capaz de oportunizar um diálogo sensível na formação dos profissionais que atuam ou atuarão em Educação Física Escolar, nesta perspectiva de [re]significação e ampliação das possibilidades para a práxis pedagógica. Tal estudo centra-se na análise de documentos do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
            O ensaio acadêmico cumpre com os objetivos de difundir o que as pesquisas acadêmicas corroboram para a práxis docente em Educação Física, no que tange para a formação dos profissionais para esta área do conhecimento e tem como documentos de análise, descritos em seu aporte teórico as Diretrizes curriculares do curso de formação de professores da UFSM.
Para Ortega y Gasset (1983) o ensaio acadêmico é um texto literário breve, situado entre o poético e o didático, que expõe ideias, críticas e reflexões morais e filosóficas a respeito de certo tema, em particular este, busca responder o problema: como pode o Teatro aliado a Educação Física contribuir para a formação inicial dos professores desta área do conhecimento que busca [re]significar-se?
Nesta perspectiva, a proposta de aproximar Teatro e Educação Física, cumpre com os pressupostos de alfabetizar os futuros professores a cerca da linguagem cênica para que estes possam cumprir com o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional - LDB 9.394/96 no que tange para o Teatro como uma área de conhecimento específico no ensino das artes e como um componente curricular obrigatório nos diversos níveis da Educação Básica (BRASIL, 2001). Com interfaces na atuação em Educação física, como preveem os PCNs para a educação.
            Deste modo, o objetivo caminha para a alfabetização a cerca da linguagem cênica para os professores em formação, visto que uma de suas atribuições é o  ensino e estudo da corporeidade na Educação física como sinalizam os PCNs para a educação básica.
            O respaldo que para tal aproximação, encontra-se no Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFSM que busca formar profissionais capazes de intervir no processo histórico da sociedade que deve dialogar com profissionais de outras áreas, caracterizando a interdisciplinaridade que a formação inicial requer.
            Este diálogo na formação inicial, contribui para o desenvolvimento nos processos formativos e sinaliza para as possibilidades de aproximação presentes na organização curricular do curso de graduação em Educação Física descrita no (Parecer CNE/CES 0058/2004) sobre a formação de professores da educação básica com habilitação - licenciatura plena em Educação Física, conforme Artigo 8º da Resolução nº 7/2004 que indica as unidades e o objeto de estudo em tal formação, bem como aponta as dimensões biológicas, sociais, culturais, didático-pedagógicas, técnico - instrumentais do movimento humano.
            Entende-se que o Teatro, enquanto ciência da ação estética, que tem o corpo em movimento, sua base biológica, social, contextual e antropológica como dimensões de estudo aliado ao equilíbrio estético – corpo – ferramenta do ator, pode dialogar com a Educação física como sinalizam os documentos ao mencionar interdisciplinaridade e diferentes áreas do conhecimento em um processo de [res]significar-se.
Para Freire (1987) a adesão a esta possibilidade exige esforços e estudos, pois em nada ela valerá se apresentada fora do contexto dos educandos, fato que fez com que nosso estudo partisse do macro: atribuições do futuro professor de Educação física, para o micro: aulas de Educação física. Como tentativa de síntese de todo o estudo a cerca da alfabetização cênica em uma perspectiva capaz de renovar esta ciência fundamental ao desenvolvimento do ser biopsicossocial.
O trabalho se desenvolveu por meio da utilização das diferentes linguagens, a elaboração, comunicação e expressão das elaborações, bem como o desenvolvimento dos princípios éticos, estéticos, políticos e de identificação de quem se é e das características de seu grupo de pertença cultural (neste caso – professores em formação inicial).
Percebe-se que os seres humanos, biopsicossociais, se desenvolvem no cotidiano escolar, se sensibilizados com estímulos significativos, como a descoberta corporal, bem como as problemáticas que insurgem ao longo desta pesquisa. Pois, é no ambiente educativo por meio de atividades planejadas e sistematizadas, com ênfase no ato de brincar, de jogar e construir atividades coletivamente, que os mesmos fazem assimilações, desenvolvem sua criatividade, habilidades e motricidades conscientes de um corpo, um grupo de corpos e sua disposição em um espaço pré-determinado: contexto sala de aula, condições determinantes aos processos de ensino e aprendizagem nesta área do conhecimento, com caráter interdisciplinar.
A proposta converge com a [re]significação dos processos formativos para a Educação Física, com base no entendimento da corporeidade como uma complexa busca pelo estudo sistemático do corpo em atividade corporais, em todas as suas possibilidades, mas em caráter de oposição às  tendências tradicionais presentes no cotidiano das escolas, nas aulas desta área do conhecimento.
A adesão desta disciplina curricular cumpre com a dicotomização do homem, característica ao pensamento cartesiano ao fragmentar: corpo físico, biológico com caráter anátomo fisiológico e intelecto.
Santin (1990) mostra que tal dicotomização do homem em corpo e mente, ou matéria e intelecto, apenas corroborou para intensificar os equívocos conceituais e epistemológicos para a Educação Física, e, que com  busca de um estudo complexo a cerca da unidade é que esta poderá ser [re]significada e consiga contribuir para o desenvolvimento do ser humano como um todo orgânico e interligado, característico ao ser biopsicossocial em constante desenvolvimento.
Outro teórico que contribui para o entendimento deste estudo é Moreira (1995) que nos mostra o “ser coisificado” como produto desta fragmentação, que segue um padrão desligado de sua natureza humana, que trata todos como organismos anátomos – fisiológicos apenas. O mesmo aponta também para uma possibilidade oposta a esta, que intitula como corpo múltiplo, aberto ao estudo novo da corporeidade como fonte de experimentações e como veículo de comunicação com o mundo.
Neste intuito apresenta-se o Teatro e o Teatro – educação, por serem arte, trabalharem com a unidade globalizada: homem, e por estarem imbuídos na teoria da comunicação como nata ao humano. Neste sentido o Teatro na formação de professores surge como uma possibilidade sensível capaz de contribuir e construir conhecimentos a cerca da relação corporeidade e comunicação com o mundo.
Vale a ressalva que comunicação extrapola a oralidade e a escrita e envolve a convergência de todas as capacidades e habilidades presentes nos homens.
            As técnicas utilizadas pelo teatro que caminham para o entendimento da corporeidade e sua epistemologia, convergem com Spolin (1987) e Boal (1996) que fundidos com pressupostos e fundamentos do teórico Paulo Freire (2000) no que tange para uma pedagogia da libertação que caminhe para a autonomia e ruptura com o atual sistema de ensino vigente em nosso país e parte da América Latina, em especial, nos países subdesenvolvidos.
            Considera-se esta ação parte de um movimento nacional que caminha para a melhoria da educação básica no Brasil.
            A afirmativa explicita a função dos pesquisadores das ciências da educação e sua relevância na formação dos futuros professores em Educação física. A inserção deste nas escolas cumpre com o caráter de extensão das Instituições de Ensino Superior – IES – aproximando assim o que se discute e se estuda na formação às turmas de educadores, como neste caso por meio de atividades como o jogo dramático, o jogo infantil e a improvisação na perspectiva de Spolin (1987).
É por meio da sensibilização para o “corpomente”, que buscou-se contribuir para o esclarecimento a cerca das dimensões que constituem o ser humano, por futuros educadores que buscam  uma escola que atinja o papel de transformadora da vida de seus educandos, bem como [re]signifique as práticas escolares na atualidade.
            Para Boal (1996), dramaturgo brasileiro, o teatro oportuniza vivenciar e visualizar na cena o desenvolvimento de um processo dialético, em que a ação deve ser negada, [re] significada, contextualizada, conservada em alguns aspectos e melhorada. Portanto, o teatro, apresenta-se como uma alternativa metodológica que busca a sensibilização para uma leitura de mundo crítica, reflexiva e capaz de humanizar os homens, elevando-os a agentes da ação e de sua transformação, pertinente à transformação necessária à prática da Educação Física Escolar.
            Para Freire (1980) somente outra maneira de agir e de pensar pode levar-nos a viver outra educação que não seja mais o monopólio da instituição escolar e de seus professores. Este pensamento corrobora com a ideia apresentada pelo Teatro, pois oportuniza uma nova maneira de olhar o mundo, norteada por princípios éticos, críticos, mas sensíveis à libertação, ou seja, a arte restitui ao homem a sua dimensão social, criativa e coletiva, sem sobrepor sua autonomia e seu desenvolvimento pleno.
            O contato com os futuros professores, envolvidos em um processo de alfabetização estética com interfaces na Educação Física, nos leva a concluir que somente com uma formação centrada no ensino da Educação física escolar aliada ao ensino das artes e suas múltiplas linguagens, como o teatro convergem  para o entendimento etimológico e epistemológico dos fundamentos desta área do conhecimento que se pauta no estudo da corporeidade.
            Com a presença deste novo elemento “corporeidade” maior é a relevância do estudo deste “corpo em movimento” ou em atividade, e segundo Gonçalves (1999), esse novo olhar sobre o corpo em movimento, trata-se da própria consciência do corpo, fundamental ao resgate da experiência de vida de cada indivíduo é restituir o valor humano negligenciado na fragmentação corpo e mente.
            Se a prática pedagógica em Educação Física é uma área do conhecimento relacionada ao saber fazer e compreender, é de extrema relevância uma formação sensível que dialogue com a arte, neste caso o teatro, para que os professores compreendam o que é, como é e com quais finalidades se faz teatro na escola na disciplina curricular (componente curricular) Educação Física no desenvolvimento global dos seres humanos.
            Para Freire (1994), é pelo complexo que o homem se afirma com e no mundo, e a motricidade é o sintoma mais complexo dos sistemas, pois ela integra o ser humano. A corporeidade restitui o humano ao homem e a motricidade como manifestação viva desta ampara o discurso de cultura humana.
            As palavras deste autor exprimem a necessidade em [re]significar os processos formativos dos profissionais para a educação, em especial os da Educação Física, por anos mutilada e imbuída do cartesianismo positivista que carregam as escolas de educação básica.
            Portanto, com o Teatro e o estudo do Teatro – educação os futuros professores podem vivenciar uma nova cultura escolar: a cultura de viver, compreender e caminhar com o corpo em movimento, produto e fim da Educação Física Escolar em uma nova e [re]significada cultura da corporeidade nos processos formativos.
            Portanto, percebe-se por meio do estudo da corporeidade, presente nas Diretrizes Curriculares do curso de Educação Física - Licenciatura - do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) o caminho para a introdução deste campo do conhecimento: o Teatro na formação inicial dos professores nesta nova perspectiva do estudo do corpo.

REFERÊNCIAS
BOAL, A. O arco-íris do desejo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Lei n. 9.394/96 – Lei De Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Apresentação Carlos Roberto Jamil Cury. 4. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20/12/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

CEFD. Projeto político-pedagógico. Disponível em http://www.ufsm.br/cefd. 2005.

FREIRE, J.B. Educação de corpo inteiro: teoria e prática de Educação Física. 4. ed. São Paulo: Scipione, 1994.

FREIRE, P. Conscientização. Teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.

__________ . Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

__________ . A educação na cidade. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2000.

GONÇALVES, M.A.S. Sentir, pensar, agir: corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1999.

Moreira, W.W. (Org.). Corpo presente. Campinas. Papirus, 1995. (Coleção corpo e motricidade).

ORTEGA Y GASSET, J. Obras completas. Revista de Occidente, Madrid, V. I-XII, 1983.

SANTIN, S. Aspectos filosóficos da corporeidade. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, São Paulo, v.11, n.2, p.136-145, 1990.

SPOLIN, V. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1987.

UFSM. Projeto político-pedagógico. Santa Maria, 2000.

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