Oficina de Produção de Textos: A
AVENTURA DE LER E ESCREVER - TEXTO Nº 14
OS
FUNDAMENTOS DO YOGA CLÁSSICO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA
CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Ana Paula Facco Mazzocato
A
partir da reportagem do Jornal Zero Hora sexta-feira, 04 de maio de 2012,
página 38, com a chamada ENSINO ZEN e o título “Mantras para prevenir a
violência”, dei-me conta que já adotamos essa prática em uma Escola Estadual nos
anos de 2009 e 2010 em Santa Maria/RS, com alunos da turma 33, terceira série
do Ensino Fundamental. Contando com vinte e três alunos da terceira série em
2009, iniciamos aulas expondo os fundamentos do Yoga Clássico; o inicio das
aulas ocorria da seguinte forma: meditação e mantras, para após trabalhos com os
ásanas (posturas).
No que
se refere à meditação, é possível praticá-la de diversas maneiras, mas, no caso
específico dessa turma, foi executada a partir da concentração interior, que é
quando os alunos mentalizam situações agradáveis e bons pensamentos. Nesse sentido, a respiração sempre esteve presente
em todos os momentos da prática, e dessa forma, ela contribuiu para aumentar a
concentração e o poder de visualização interior dos alunos.
Para Newberg (2003), a meditação é um processo mental complexo que
envolve mudanças na cognição, na percepção sensorial, no afeto, nos hormônios e
na atividade autonômica.
Já Sadhu (1972), a define
como direção ativa e constante da atenção para um tema ou objeto, sem desvio,
mantendo diante da mente pelo tempo necessário. Uma de suas finalidades é
conseguir quietude da mente através da concentração e suas técnicas variam no
taoísmo, budismo, zenbudismo, hinduísmo e outras correntes de pensamento.
No momento da meditação o
sistema nervoso é ativado e estimulado, principalmente o córtex pré-frontal e o
cíngulo anterior, particularmente no hemisfério direito. Essa é a informação que
nos dá a conclusão da pesquisa realizada por Newberg (2003), com oito
meditadores budistas tibetanos que meditaram durante cerca de 1 hora, onde foi
medido o fluxo sanguíneo cerebral durante o processo de meditação. Houve
aumento bilateral da atividade cortical pré-frontal, com predomínio do
hemisfério direito, e do giro cíngulo.
O sistema nervoso se estende por todo o corpo
e as atividades de meditação e entoação de mantras remodelam neurônios,
contribuindo assim, para a neuroplasticidade do cérebro, tendo em vista
estímulos internos-externos, internalizando emoções, visando o
autoconhecimento.
A
concentração interfere sobremaneira nas nossas vidas, contribuindo para que
tenhamos em mente sempre um foco, e tal reflete em nosso corpo, pois somos
seres humanos dotados de feixe de hábitos e, ao incorporarmos o cuidado com a
nossa mente, com o nosso corpo, com a ingestão de alimentos e de líquidos, tudo
isso de maneira harmônica, com comedimento, realmente estaremos exercendo uma
consciência corporal que contribui para a reestruturação do ser na sua
totalidade.
Visamos
com isso, à concentração, conscientização e comunicação com o nosso corpo,
refletindo uma troca total entre o individuo e o meio, o que nos torna pessoas
mais relaxadas, com conexão profunda do ser com o meio, permeando as questões
espirituais.
A
palavra mantra para Kupfer (2009)
significa em
sânscrito “instrumento para o pensamento [adequado]” (man = pensamento,
mente; tra = instrumento). Basicamente, um mantra é um som que
tem um significado e tem como objetivo lembrar algo importante para o
praticante. Esse som pode consistir em um monossílabo, como o mantra Om,
uma frase curta, como Om Gam Ganapataye namah (“eu saúdo Ganesha,
o deus-elefante”), ou uma estrofe de 24 sílabas, como é o caso do Gayatri
mantra. O mantra pessoal é prescrito tradicionalmente por um mestre, em
função da necessidade do praticante.
O mesmo autor enfatiza os efeitos dos mantras, pois têm a capacidade de servir
como foco para que a mente se concentre. Seu trabalho durante o mantra
consiste justamente em trazer incessantemente a mente de volta para o som do mantra
e refletir sobre seu significado. Isso traz como conseqüência o aquietamento da
mente. Essa paz mental não é um fim em si mesmo, mas um meio para conseguir o
discernimento, para preparar-se para a libertação, moksha. Muito embora
os mantras possam ser usados para relaxar, combater a ansiedade ou o
estresse, esse fim não deve ser esquecido.
O mantra OM é o mantra mais importante dentro
da filosofia indiana, e também o mais conhecido dentro e fora da Índia. A
prática e o seu significado adicionam uma dimensão espiritual, aumentam a calma
mental, a concentração e a interiorização. O ritmo é também um fator importante
de harmonia e equilíbrio, sobretudo entre o corpo e o psíquico. Essa harmonia
se cultiva com a entonação dos mantras, e o mantra OM nos transporta a um plano
superior, uma dimensão que ativa todo o sistema nervoso, o córtex, todo o
corpo, fluindo luminosidade, um “prana rosa”, apaziguando a mente e o corpo.
O mantra OM é um som universal. São muitas as
interpretações sobre esse mantra, e todas possuem um mesmo fim, qual seja,
adentrar em contato com os sons do universo, tendo em vista que o OM é o
princípio, ou a mistura de todos os sons. Entoando o mantra OM, conectamos a
nossa essência, a energia espiritual, o contato com o divino. É um olhar
interno, o meu eu, o que eu possuo de mais bonito, de mais bondoso, puro, o
resgate da inocência, o contato com as qualidades que conhecemos, e as que
desconhecemos, sendo um mergulho interno e externo com o meu eu, e tudo isso,
para alcançar a paz, a felicidade, a harmonia, e compartilhar com o meio.
Conforme
Kupfer (2009), entoamos os mantras
através da doutrina do Kularnava Tantra que nos ensina que há três formas de fazer
um mantra: mentalmente, murmurando, e em voz alta. Dessas maneiras,
considera-se que o mantra murmurado seja mais poderoso que aquele feito
em voz alta, e que o mantra feito mentalmente seja mais eficiente que o
murmurado. No entanto, a mesma escritura nos aconselha a mudarmos de técnica
quando percebermos que estamos perdendo a concentração ou quando estamos nos
distraindo, passando da repetição mental para a verbalização em voz alta ou
vice-versa. É possível também associar o mantra com um yantra, um
símbolo. Por exemplo, ao gayatri mantra corresponde o yantra do
mesmo nome, que pode ser visualizado mantendo-se os olhos fechados ou
focalizado com eles abertos durante a meditação.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode
enriquecer-se com qualquer experiência. A educação primária pode ser
considerada bem sucedida se conseguir transmitir o impulso e as bases que permitam
a continuidade do aprendizado ao longo de toda a vida. Como bem diz Delors
(2001, pág. 92) aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a
aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Conforme a reportagem anteriormente mencionada, compartilho com a ideia
de Anmal Arora idealizadora do projeto implantado na Escola Estadual Hiroshima do
município de Eldorado do Sul/RS, projeto esse dedicado a ensinar a prática da
meditação para crianças em idade escolar e que utiliza técnicas de
autoconhecimento e yoga. Nas escolas, a idealizadora destaca a importância de
capacitar educadores: Ensinamos os
Professores a trabalhar meditação em sala de aula, pois são eles quem estão
presentes no dia a dia da escola. Se o Professor está mais tranquilo,
confiante, otimista, ele também vai levar isso para a sua turma.
Reportando-nos a Nóvoa
(1995) a formação também deve estimular o desenvolvimento profissional dos
professores no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente.
Desse modo, deve-se valorar padrões de formação que promovam a preparação de
professores preocupados com suas práxis reflexivas, que assumam a
responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem
como atores principais na implantação de políticas publicas educativas.
Conforme Alarcão (1998), a formação continuada deve proporcionar o
desenvolvimento da dimensão profissional na complexidade.
Seguindo a mesma linha
Sacristán e Pérez Gómez (1998, p.363) também afirmam que:
A formação do
professor se baseará prioritariamente na aprendizagem da prática, para a
prática e a partir da prática. A orientação prática confia na aprendizagem por
meio da experiência com docentes experimentados, como o procedimento mais
eficaz e fundamental na formação do professorado e na aquisição da sabedoria
que requer a intervenção criativa e adaptada às circunstâncias singulares e
mutantes da aula.
Nessa
perspectiva Nóvoa (1992) vislumbra que a prática da formação, tanto inicial
como continuada, precisa centrar-se em uma perspectiva de formação-ação, pois a
formação não é qualquer coisa prévia a ação, mas que está e acontece na ação.
Ou seja, toda prática de formação necessita partir do triplo movimento proposto
por Schön (1992) a reflexão antes, durante e após a ação.
Assim, acredito ser necessário tornar a função do Educador mais
prazerosa, incluindo o otimismo e a confiança na docência, principalmente para os profissionais que já se
encontram em atividade. Para tanto, é
necessário investir na Formação Continuada de Professores. E tal investimento não
deve ficar restrito a projetos esporádicos, tampouco deve restringir-se há
expectativas de atuação dos governantes, muitas vezes omissos no cumprimento de
suas responsabilidades acerca da educação. É preciso investimento de formação e
estrutura de carreira, o que poderá fazer o diferencial. Aqui me reporto
principalmente aos Professores de Educação Física, minha formação, que
necessitam se apropriar dos fundamentos do Yoga Clássico.
Finalizando,
ensinar uma nova prática, isto é, a prática de uma nova cultura, de uma
filosofia de vida, e ser compreendida e acolhida pela direção de uma Escola
Estadual tradicional de Santa Maria/RS foi uma experiência muito significativa,
tendo em vista que a comunidade escolar presenciou os benefícios das novas
práticas com aqueles alunos. E essa satisfação ficou latente através do relato
dos estudantes, dos pais e familiares, da professora regente da turma e de toda
a equipe diretiva da Escola.
REFERÊNCIAS
ALARCÃO, I. Formação continuada como
instrumento de profissionalização docente. In: VEIGA, I.P. (Org.). Caminhos
da profissionalização do magistério. 3. ed. São Paulo: Papirus, p.99 – 122,
1998.
DELORS, J. Educação:
um tesouro a descobrir. 5.ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC:
UNESCO, 2001.
KUMPFER, P. Entrevista Para que servem os mantras? Disponível
em: http://tudodeom.blogspot.com.br/2009/05/mantras-entrevista-com-pedro-kupfer.html
e http://algosobreyoga.blogspot.com.br/2009/05/o-mantra-om.html.
Acesso em 05 de junho de
2012.
NEWBERGER A.B., IVERSEN J. The neural basis of the
complex mental task of meditation: neurotransmitter and neurochemical
considerations, Medical Hypotheses (2003) 61 (2), 282-291. Disponível em: www.sciencedirect.com. Acesso em 05
de junho de 2012.
SACRISTÁN, J.G.; PÉREZ
GÓMEZ A.I. Compreender e transformar o
ensino. 4. ed. Artmed, 1998. p. 363.
SADHU, M. Concentração,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972.
SCHÖN, D.A. Formar
professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1992. p.77-92.
ZERO HORA
SEXTA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2012. Reportagem: Lara Ely. Editor: Marcelo Ermel.
Produtora: Fabíola Bach. lara.ely@zerohora.com.br
Olá Ana! Li o seu texto, que partir da leitura de uma reportagem de jornal, e achei uma grande ideia. Também considerei tua "escrita" muito boa. Parabéns! Prof. Hugo
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