domingo, 17 de junho de 2012

Oficina de Produção de Textos: A AVENTURA DE LER E ESCREVER - TEXTO Nº 14

OS FUNDAMENTOS DO YOGA CLÁSSICO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES

 Ana Paula Facco Mazzocato

A partir da reportagem do Jornal Zero Hora sexta-feira, 04 de maio de 2012, página 38, com a chamada ENSINO ZEN e o título “Mantras para prevenir a violência”, dei-me conta que já adotamos essa prática em uma Escola Estadual nos anos de 2009 e 2010 em Santa Maria/RS, com alunos da turma 33, terceira série do Ensino Fundamental. Contando com vinte e três alunos da terceira série em 2009, iniciamos aulas expondo os fundamentos do Yoga Clássico; o inicio das aulas ocorria da seguinte forma: meditação e mantras, para após trabalhos com os ásanas (posturas).
No que se refere à meditação, é possível praticá-la de diversas maneiras, mas, no caso específico dessa turma, foi executada a partir da concentração interior, que é quando os alunos mentalizam situações agradáveis e bons pensamentos.  Nesse sentido, a respiração sempre esteve presente em todos os momentos da prática, e dessa forma, ela contribuiu para aumentar a concentração e o poder de visualização interior dos alunos. 
Para Newberg (2003), a meditação é um processo mental complexo que envolve mudanças na cognição, na percepção sensorial, no afeto, nos hormônios e na atividade autonômica.
Já Sadhu (1972), a define como direção ativa e constante da atenção para um tema ou objeto, sem desvio, mantendo diante da mente pelo tempo necessário. Uma de suas finalidades é conseguir quietude da mente através da concentração e suas técnicas variam no taoísmo, budismo, zenbudismo, hinduísmo e outras correntes de pensamento.
No momento da meditação o sistema nervoso é ativado e estimulado, principalmente o córtex pré-frontal e o cíngulo anterior, particularmente no hemisfério direito. Essa é a informação que nos dá a conclusão da pesquisa realizada por Newberg (2003), com oito meditadores budistas tibetanos que meditaram durante cerca de 1 hora, onde foi medido o fluxo sanguíneo cerebral durante o processo de meditação. Houve aumento bilateral da atividade cortical pré-frontal, com predomínio do hemisfério direito, e do giro cíngulo.
O sistema nervoso se estende por todo o corpo e as atividades de meditação e entoação de mantras remodelam neurônios, contribuindo assim, para a neuroplasticidade do cérebro, tendo em vista estímulos internos-externos, internalizando emoções, visando o autoconhecimento.
A concentração interfere sobremaneira nas nossas vidas, contribuindo para que tenhamos em mente sempre um foco, e tal reflete em nosso corpo, pois somos seres humanos dotados de feixe de hábitos e, ao incorporarmos o cuidado com a nossa mente, com o nosso corpo, com a ingestão de alimentos e de líquidos, tudo isso de maneira harmônica, com comedimento, realmente estaremos exercendo uma consciência corporal que contribui para a reestruturação do ser na sua totalidade.
Visamos com isso, à concentração, conscientização e comunicação com o nosso corpo, refletindo uma troca total entre o individuo e o meio, o que nos torna pessoas mais relaxadas, com conexão profunda do ser com o meio, permeando as questões espirituais.
A palavra mantra para Kupfer (2009) significa em sânscrito “instrumento para o pensamento [adequado]” (man = pensamento, mente; tra = instrumento). Basicamente, um mantra é um som que tem um significado e tem como objetivo lembrar algo importante para o praticante. Esse som pode consistir em um monossílabo, como o mantra Om, uma frase curta, como Om Gam Ganapataye namah (“eu saúdo Ganesha, o deus-elefante”), ou uma estrofe de 24 sílabas, como é o caso do Gayatri mantra. O mantra pessoal é prescrito tradicionalmente por um mestre, em função da necessidade do praticante.
O mesmo autor enfatiza os efeitos dos mantras, pois têm a capacidade de servir como foco para que a mente se concentre. Seu trabalho durante o mantra consiste justamente em trazer incessantemente a mente de volta para o som do mantra e refletir sobre seu significado. Isso traz como conseqüência o aquietamento da mente. Essa paz mental não é um fim em si mesmo, mas um meio para conseguir o discernimento, para preparar-se para a libertação, moksha. Muito embora os mantras possam ser usados para relaxar, combater a ansiedade ou o estresse, esse fim não deve ser esquecido.
O mantra OM é o mantra mais importante dentro da filosofia indiana, e também o mais conhecido dentro e fora da Índia. A prática e o seu significado adicionam uma dimensão espiritual, aumentam a calma mental, a concentração e a interiorização. O ritmo é também um fator importante de harmonia e equilíbrio, sobretudo entre o corpo e o psíquico. Essa harmonia se cultiva com a entonação dos mantras, e o mantra OM nos transporta a um plano superior, uma dimensão que ativa todo o sistema nervoso, o córtex, todo o corpo, fluindo luminosidade, um “prana rosa”, apaziguando a mente e o corpo.
O mantra OM é um som universal. São muitas as interpretações sobre esse mantra, e todas possuem um mesmo fim, qual seja, adentrar em contato com os sons do universo, tendo em vista que o OM é o princípio, ou a mistura de todos os sons. Entoando o mantra OM, conectamos a nossa essência, a energia espiritual, o contato com o divino. É um olhar interno, o meu eu, o que eu possuo de mais bonito, de mais bondoso, puro, o resgate da inocência, o contato com as qualidades que conhecemos, e as que desconhecemos, sendo um mergulho interno e externo com o meu eu, e tudo isso, para alcançar a paz, a felicidade, a harmonia, e compartilhar com o meio.
Conforme Kupfer (2009), entoamos os mantras através da doutrina do Kularnava Tantra que nos ensina que há três formas de fazer um mantra: mentalmente, murmurando, e em voz alta. Dessas maneiras, considera-se que o mantra murmurado seja mais poderoso que aquele feito em voz alta, e que o mantra feito mentalmente seja mais eficiente que o murmurado. No entanto, a mesma escritura nos aconselha a mudarmos de técnica quando percebermos que estamos perdendo a concentração ou quando estamos nos distraindo, passando da repetição mental para a verbalização em voz alta ou vice-versa. É possível também associar o mantra com um yantra, um símbolo. Por exemplo, ao gayatri mantra corresponde o yantra do mesmo nome, que pode ser visualizado mantendo-se os olhos fechados ou focalizado com eles abertos durante a meditação.
O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer-se com qualquer experiência. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir o impulso e as bases que permitam a continuidade do aprendizado ao longo de toda a vida. Como bem diz Delors (2001, pág. 92) aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento.
Conforme a reportagem anteriormente mencionada, compartilho com a ideia de Anmal Arora idealizadora do projeto implantado na Escola Estadual Hiroshima do município de Eldorado do Sul/RS, projeto esse dedicado a ensinar a prática da meditação para crianças em idade escolar e que utiliza técnicas de autoconhecimento e yoga. Nas escolas, a idealizadora destaca a importância de capacitar educadores: Ensinamos os Professores a trabalhar meditação em sala de aula, pois são eles quem estão presentes no dia a dia da escola. Se o Professor está mais tranquilo, confiante, otimista, ele também vai levar isso para a sua turma.
Reportando-nos a Nóvoa (1995) a formação também deve estimular o desenvolvimento profissional dos professores no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Desse modo, deve-se valorar padrões de formação que promovam a preparação de professores preocupados com suas práxis reflexivas, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como atores principais na implantação de políticas publicas educativas. Conforme Alarcão (1998), a formação continuada deve proporcionar o desenvolvimento da dimensão profissional na complexidade.
Seguindo a mesma linha Sacristán e Pérez Gómez (1998, p.363) também afirmam que:

A formação do professor se baseará prioritariamente na aprendizagem da prática, para a prática e a partir da prática. A orientação prática confia na aprendizagem por meio da experiência com docentes experimentados, como o procedimento mais eficaz e fundamental na formação do professorado e na aquisição da sabedoria que requer a intervenção criativa e adaptada às circunstâncias singulares e mutantes da aula.

          Nessa perspectiva Nóvoa (1992) vislumbra que a prática da formação, tanto inicial como continuada, precisa centrar-se em uma perspectiva de formação-ação, pois a formação não é qualquer coisa prévia a ação, mas que está e acontece na ação. Ou seja, toda prática de formação necessita partir do triplo movimento proposto por Schön (1992) a reflexão antes, durante e após a ação.
Assim, acredito ser necessário tornar a função do Educador mais prazerosa, incluindo o otimismo e a confiança na docência,  principalmente para os profissionais que já se encontram em atividade.  Para tanto, é necessário investir na Formação Continuada de Professores. E tal investimento não deve ficar restrito a projetos esporádicos, tampouco deve restringir-se há expectativas de atuação dos governantes, muitas vezes omissos no cumprimento de suas responsabilidades acerca da educação. É preciso investimento de formação e estrutura de carreira, o que poderá fazer o diferencial. Aqui me reporto principalmente aos Professores de Educação Física, minha formação, que necessitam se apropriar dos fundamentos do Yoga Clássico.
Finalizando, ensinar uma nova prática, isto é, a prática de uma nova cultura, de uma filosofia de vida, e ser compreendida e acolhida pela direção de uma Escola Estadual tradicional de Santa Maria/RS foi uma experiência muito significativa, tendo em vista que a comunidade escolar presenciou os benefícios das novas práticas com aqueles alunos. E essa satisfação ficou latente através do relato dos estudantes, dos pais e familiares, da professora regente da turma e de toda a equipe diretiva da Escola.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, I. Formação continuada como instrumento de profissionalização docente. In: VEIGA, I.P. (Org.). Caminhos da profissionalização do magistério. 3. ed. São Paulo: Papirus, p.99 – 122, 1998.

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 5.ed. – São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2001.

KUMPFER, P. Entrevista Para que servem os mantras? Disponível em:  http://tudodeom.blogspot.com.br/2009/05/mantras-entrevista-com-pedro-kupfer.html e http://algosobreyoga.blogspot.com.br/2009/05/o-mantra-om.html. Acesso em 05 de junho de 2012.

NEWBERGER A.B., IVERSEN J. The neural basis of the complex mental task of meditation: neurotransmitter and neurochemical considerations, Medical Hypotheses (2003) 61 (2), 282-291. Disponível em: www.sciencedirect.com. Acesso em 05 de junho de 2012.

SACRISTÁN, J.G.; PÉREZ GÓMEZ A.I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Artmed, 1998. p. 363.

SADHU, M. Concentração, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972.           

SCHÖN, D.A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. p.77-92.

ZERO HORA SEXTA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2012. Reportagem: Lara Ely. Editor: Marcelo Ermel. Produtora: Fabíola Bach. lara.ely@zerohora.com.br

Um comentário:

  1. Olá Ana! Li o seu texto, que partir da leitura de uma reportagem de jornal, e achei uma grande ideia. Também considerei tua "escrita" muito boa. Parabéns! Prof. Hugo

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