Apontamentos sobre a Formação Continuada em Educação Física na Educação Básica
Ana Paula da Rosa CRISTINO [1]
Com grande satisfação, venho colaborar com as discussões propostas pelo GEPEF, com destaque para a importância da formação continuada sistemática na escola e suas implicações no desenvolvimento profissional de professores de Educação Física. Para o alcance dessa abordagem, considerarei três aspectos: o primeiro se relaciona aos entraves burocráticos para que a escola efetivamente se torne um espaço formativo, o segundo diz respeito à cultura da esportivização, bastante presente nas práticas pedagógicas dos professores. Por fim, no terceiro aspecto, proponho perspectivas reflexivas e coletivas para se ampliar o espaço formativo e pedagógico da Educação Física na Educação Básica.
O professor da atualidade, além de buscar atualização técnica ou específica da sua área de conhecimento, precisa acompanhar reflexivamente os fenômenos filosóficos, políticos e econômicos. Suas pretensões educativas precisam se direcionar mais intensivamente para o desenvolvimento de respostas criativas para as necessidades educacionais e para a busca do processo coletivo como forma de emancipação profissional.
No entanto, de acordo com um estudo realizado por Krug (2004) no qual foram analisados profissionais de Educação Física, os professores demonstraram a fuga no aprofundamento pedagógico e uma aproximação do utilitarismo cotidiano, no intuito de buscar satisfazer as necessidades imediatas da prática desportivo-recreativa, o que acaba por limitar a consciência política dos professores e conseqüentemente dos alunos.
Em pesquisa realizada sobre a formação continuada destinada à Educação Física na rede municipal de ensino de Santa Maria (RS), também se observou a influência de modelos de formação que vem incentivando poucas atitudes de reflexão-ação-reflexão no coletivo. Apesar dessa situação, algumas experiências vividas por estes professores na sua trajetória profissional, demonstraram o esforço para o aprender a ser professor na ação, na interação com os alunos, realizando uma prática reflexiva construindo, assim, o saber da experiência (CRISTINO, 2007).
Entre os fatores que limitam perspectivas formativas mais reflexivas, de acordo com a pesquisa acima, se encontram a carga horária frente ao aluno, que impede que sejam oportunizados mais espaços formativos para encontros com os pares, em especial, na escola. Por esse motivo, as formações acabam sendo pontuais, com intervenções esporádicas e não sistemáticas e principalmente, sem a interação entre os demais professores (CRISTINO, 2007).
Essa afirmação vai de encontro às considerações de Krug (1996), para o qual as escolas precisam facilitar a troca de experiências entre os professores, criando um ambiente propício para o seu desenvolvimento profissional, estimulando-os a expor seus saberes, a criticar e enriquecer seus trabalhos, através da pesquisa e das experiências de seus colegas.
A carga de trabalho dos professores, segundo Tardif; Lessard (2005), é um desafio administrativo, definida em duração pela organização escolar em função das normas oficiais, encaminhadas pelo governo. O tempo de trabalho diário, semanal, anual, o número de horas de presença obrigatória em classe, o número de alunos, o salário, definem o quadro legal no qual o ensino se desenvolve.
Mesmo com os encaminhamentos legais para que 1/3 da carga horária dos professores de Educação Básica da rede pública sejam destinadas ao planejamento e demais atividades extra-classes, ainda persistem a burocratização, que compreende a sala de aula como espaço restrito de atuação docente.
Por outro lado, há também de se considerar a força da cultura da esportivização na Educação Básica. Nas escolas prevalecem os conteúdos curriculares da Educação Básica que se relacionam predominantemente aos esportes coletivos: futebol, voleibol, basquetebol e handebol. Confirmando tal situação, Cristino (2007), comenta em sua pesquisa que a maioria dos colaboradores preferiram formações que proporcionem aprofundamento dos temas relacionados ao esporte, com destaque para atividades práticas.
No que diz respeito a esse quadro, Krug (2001), relata que a esportivização da Educação Física pode ser conseqüência da ausência da ampliação dos espaços formativos na escola. Vários professores demonstram o desejo de transformar a prática educativa, porém, em muitas situações essa mesma prática continua repleta de vícios, e envolta por certas normas que não permitem avançar na construção de uma prática voltada para a transformação educacional, porque a própria escola não proporciona espaços para uma formação voltada para a transformação.
Com referência às experiências pedagógicas, conforme Molina Neto (1997) é comum professores, especialmente nas escolas públicas se desenvolverem sob a influência de uma cultura escolar, que está fortemente marcada pelas práticas esportivas que o professor teve durante sua vida escolar como aluno. Esse fato é preocupante já que a própria constituição profissional é resultado da interação entre os contextos nos quais, o professor se insere e não da mera reprodução de experiências de outras realidades.
O estudo realizado por Krug; Menezes Filho; Beltrame (2001), da mesma forma demonstrou que a leitura da realidade e dos problemas das práticas por meio de seminários reflexivos propostos para os professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Santa Maria (RS), detectou várias questões preocupantes, no tema relacionado com a estrutura escolar. Entre elas, a existência de uma grande divergência entre os professores sobre o papel da Educação Física Escolar, tornando a comunidade e a escola indiferentes à Educação Física com enfoque pedagógico, somente a vendo como promotora de eventos.
Esta informação se aproxima dos achados de Cristino (2009), a qual comenta que embora sejam observadas as contribuições da Educação Física, ela ainda não aparece de forma significativa no desenvolvimento da organização escolar. Por outro lado, ela necessita ser compreendida pelos seus objetos de estudo, que são o corpo e o movimentar-se, e pelas possibilidades de aprendizagens críticas desencadeadas através do processo educativo desse objeto (CRISTINO, 2009).
Para Krug; Menezes Filho e Beltrame (2001), é preciso buscar a competência pedagógica na própria prática, no refletir-se sobre ela, uma vez que a reflexão se processa antes, durante e depois da ação, no movimento dialético ação-reflexão-ação, buscando a unidade teórico-prática e a construção de uma pratica pedagógica reflexiva, ou seja, crítica e criativa. Os autores também comentam que a formação profissional que perpassa pela reflexão, a partir de situações práticas reais, contribui para que o professor se sinta capaz de enfrentar situações novas e diferentes, tomar decisões apropriadas e fundamentadas em um posicionamento eficaz que interligue teoria e prática. É indiscutível que apenas o professor que explicar e justificar a sua prática, pode assumir com autonomia a sua docência.
É emergente a necessidade de superar a esfera instrumental, buscando as esferas social, comunicativa e afetiva. A visão funcionalista da Educação Física necessita ser substituída pela reflexão de seus conteúdos.
Segundo Krug (2004), o desenvolvimento profissional é um processo de conquista, de procura pessoal, de esforço para a realização de um projeto pessoal e autônomo. Mas também ocorre sempre em um contexto social. Sozinho, o professor não pode avançar significativamente; quanto mais aprofundado vai se tornando o seu desenvolvimento profissional, mais ele necessita interagir. A sua progressão na profissão está relacionada com o esforço de um grupo, de um todo e acima de tudo, da sociedade.
Em concordância com o autor acima citado, Cristino (2007), comenta que em função de certas especificidades, questões como por exemplo, o enfoque metodológico da Educação Física ainda estão em aberto. Trabalhar estes aspectos envolveria tanto novas posturas por um grupo considerável de professores da área, quanto esperar um conhecimento maior de outros profissionais sobre a importância e os fundamentos da Educação Física.
Também segundo Cristino (2007), é preciso pensar desde a melhoria das condições de trabalho dos professores, o salário, a jornada de trabalho, a autonomia profissional, o número de alunos por sala de aula, até a situação física das escolas. É fundamental o investimento na formação de professores, assim como compreender melhor para quê, para quem e para onde está se direcionando a formação profissional, o ensino e também sobre quais pressupostos estão sendo estruturadas as políticas públicas.
As preocupações formativas necessitam buscar ações como refletir, democratizar, humanizar e diversificar a prática pedagógica da área de Educação Física, ampliando a visão para um trabalho multidimensional. Também, o docente precisa compreender quais questões são relevantes no desenvolvimento de seu trabalho, subsidiando as discussões, os planejamentos e as avaliações da prática de Educação Física, situando-a como produção cultural e de busca da autonomia.
Referências:
CRISTINO, A.P. da R. Gestão e relações de poderes na Educação Física Escolar a partir de discursos de professores da área e coordenadores pedagógicos, 2009, 98 f . Monografia (Especialização em Gestão Educacional ) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria., 2009.
________. Um olhar crítico-reflexivo sobre a formação continuada de professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Santa Maria (RS), 2007, 161 f . Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2007.
KRUG, H.N. Rede de auto-formação participada como forma de desenvolvimento do profissional de Educação Física, 2004. 220 f . Tese (Doutorado em Ciência do Movimento Humano) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2004.
________. A construção do conhecimento prático do professor de Educação Física, 2001. 254 f . Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2001.
________. A reflexão na prática pedagógica do professor de Educação Física, 1996. 156 f . Dissertação (Mestrado em Ciência do Movimento Humano) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1996.
KRUG, H.N.; MENEZES FILHO, F. dos S.; BELTRAME, V. O seminário reflexivo na formação em serviço de professores de Educação Física da rede municipal de ensino de Santa Maria. In: KRUG, H.N. (Org.). Formação de professores reflexivos: ensaios e experiências. Santa Maria: O Autor, 2001. p.103–114.
MOLINA NETO, V. A formação profissional em Educação Física e esportes. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Maringá, v.19, n.1, p.34–41, 1997.
TARDIF, M.; LESSARD C.; LAHAYE L. Os professores face ao saber – esboço de uma problemática do saber docente. Revista Teoria e Educação, Porto Alegre: Pannonica Editora, n.4, p.215–233, 1991.
[1] Pesquisadora Associada do GEPEF; Mestre em Educação; Especialista em Gestão Educacional ; Especialista em Ciência do Movimento Humano; Licenciada em Educação Física ; Professora das Redes Estadual e Municipal de Ensino.
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