OS NOVOS, VELHOS OU ESQUECIDOS ESPAÇOS DE FORMAÇÃO DOCENTE
Franciele Roos da Silva Ilha[1]
O campo de estudo da formação docente já reconheceu há aproximadamente uma década o fato de que os espaços formativos ultrapassam as barreiras dos cursos de licenciatura de nível normal ou superior e vão muito além de programas de capacitação e aperfeiçoamento. Ao longo deste período, também vem aprimorando e acrescentando novos elementos à discussão no que se refere aos meios de desenvolvimento profissional de professores.
Tal reconhecimento foi resultado do movimento de crítica à formação docente baseada na racionalidade técnica, que se desenvolveu a com a instrumentalização de técnicas e estratégias específicas de ensino para serem aplicadas em qualquer contexto educativo. Entretanto, devido à complexidade inerente ao ser humano e de suas relações, não foi difícil perceber a fragilidade de tal perspectiva para a educação dos futuros professores.
Diante disso, foram sendo identificados elementos importantes a serem levados em conta nos processos de formação de professores, dentre os quais se destacam: o caráter político da prática docente; a especificidade do contexto social em que se realiza a ação pedagógica; a importância da pesquisa e da reflexão crítica sobre a prática; as particularidades e necessidades especiais que os alunos apresentam enquanto aprendizes e sujeitos sociais. Com ênfase em um ou outro aspecto, emergiram diversas concepções de formação docente com o intuito de superar o modelo de racionalidade técnica nos contextos educativos.
A identificação e/ou classificação de diferentes concepções de formação docente diferem de autor para autor, mas a marca da perspectiva técnica em contraposição às demais se mostra presente em todas elas. Dentre os pesquisadores referência no campo da formação docente, que elaboraram esta classificação, destacam-se o espanhol Pérez Gomes e o português Marcelo García. Cabe recordá-las para melhor compreender os seus desdobramentos e aprofundamentos em torno da ampliação e/ou identificação de outros espaços formativos.
Para Peréz Gómez (1998) existem as seguintes perspectivas de formação docente:
1) Perspectiva acadêmica: prima pela transmissão dos conteúdos específicos da disciplina a ser ensinada. Esta perspectiva apresenta dois enfoques: a) Enfoque enciclopédico: requer do professor apenas o domínio do conhecimento dos conteúdos e sua capacidade de transmissão; b) Enfoque compreensivo: entende o professor como um intelectual capaz de incluir além dos conteúdos básicos da sua disciplina, frutos do conhecimento histórico da humanidade, as aquisições científicas;
b) Perspectiva técnica: baseia-se no conhecimento científico do conteúdo a ser ensinado, tendo o professor o papel de dominar tais conhecimentos e aplicá-los tecnicamente na prática. Esta também apresenta duas correntes com matizes diferenciais: a) Modelo de treinamento: prevê a formação docente através do treinamento de técnicas, procedimentos e habilidades consideradas eficazes pela investigação prévia. Refere-se ao modelo processo-produto, isto é, o professor que teve melhores índices de aprovação no trabalho feito com seus alunos é considerado um modelo a ser seguido nos aspectos anteriormente mencionados; b) Modelo de tomada de decisões: trata da transmissão do conhecimento científico pelo professor de uma forma mais elaborada, uma vez que necessita de estratégias que lhe permitam intervir adequadamente na aula, ao lançar mão de uma ou de outra técnica de acordo com o que a situação exigir;
c) Perspectiva prática: o ensino é considerado uma atividade complexa e o professor deve fazer uso dos saberes da experiência, aprimorando-os para lidar com os desafios da prática educativa. Contudo, parte da premissa a aprendizagem ocorre somente através da prática. Para tanto, destaca-se que essa perspectiva sofreu importante evolução ao longo do século, emergindo-se correntes bastante diferenciadas, como: a) Enfoque tradicional: concebe a formação a partir da docência do professor experiente que já adquiriu o conhecimento, a sua sabedoria profissional, através da prática e de um processo de tentativa e erro. Não há fundamentação teórica nem reflexão sobre a prática; b) Ênfase na prática reflexiva: esta trabalha com a idéia de reflexão;
d) Perspectiva de reconstrução social: o ensino é percebido como uma atividade crítica, no qual a ética e os valores precisam ser considerados nos processos educativos. Assim como as demais perspectivas, apresenta dois enfoques: a) Enfoque de crítica e reconstrução social: o seu principal objetivo é o cultivo da capacidade de pensar de forma crítica a ordem social e o professor tem o compromisso educativo e político na conquista desse objetivo, sendo ele um intelectual transformador; b) Enfoque de investigação-ação e formação do professor/a para a compreensão: a prática docente é percebida e desenvolvida por meio do enfoque intelectual e autônomo, como um processo cooperativo de ação e reflexão junto aos seus alunos que visa promover a aprendizagem do ensinar do professor na medida em que ele ensina.
Marcelo García (1999) também apresenta uma classificação das concepções de formação de professores, que ele chama de orientações conceptuais, são elas: 1) Orientação acadêmica: voltada a transmissão de conteúdos específicos das diferentes áreas disciplinares; 2) Orientação tecnológica: destina-se ao ensino do conhecimento científico e das destrezas necessárias para utilizá-lo com competência na ação educativa; 3) Orientação personalista; voltada ao desenvolvimento pessoal do professor; 4) Orientação prática: o processo de aprendizagem profissional é desenvolvido através da observação de professores considerados “bons” e da experiência prática. Cabe salientar que o ensino é visto como um trabalho complexo e singular, desconsiderando qualquer idéia de aplicação racional na ação docente; 5) Orientação social-reconstrucionista: a reflexão sobre a prática assume papel fundamental, na medida em que se respalda na ética e no compromisso social. Os professores são orientados para o desenvolvimento de práticas sociais democráticas.
Em decorrência do reconhecimento de distintas concepções da formação docente e dos aspectos identificados anteriormente como importantes de serem considerados nos processos educativos, entre outros não explicitados, pesquisadores foram identificando novos, velhos ou esquecidos espaços formativos. Estes espaços possibilitam a realização de diferentes atividades e podem suscitar a aprendizagem de saberes importantes para o exercício da docência.
Em pesquisa recentemente realizada, Ilha, Marques e Krug (2009) investigam a possibilidade de desenvolvimento profissional de professores de Educação Física com a participação em grupos de estudos e pesquisas, concluindo que através da imersão nestes grupos, acadêmicos e docentes, mobilizam diferentes saberes, construindo e reconstruindo conhecimentos da prática profissional. Além disso, ao realizarem um levantamento dos espaços de formação do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria, para além do espaço formal das salas de aula, Ilha e Krug (2011) constatam que mesmo com um maior número de espaços voltados à formação dos futuros bacharéis, existem oito espaços (entre grupos, núcleos e linhas de pesquisa) destinados à formação aos futuros licenciados. Nesta pesquisa, a ênfase recaiu em três grupos ligados a licenciatura, os quais, segundo os sujeitos investigados, contribuem de maneira significativa, de acordo com a especificidade de cada espaço formativo, com a sua formação para a docência na Educação Física Escolar.
Portanto, núcleos e grupos de estudos e pesquisas podem colaborar significativamente nos processos formativos dos acadêmicos e dos professores em exercício que neles se inserem. Através de ações e atividades desenvolvidas nestes espaços, como elaboração e realização de projetos de pesquisas e de extensão; reuniões de discussão teórica; encontros para debates em torno da reflexão das práticas educativas, seus participantes constroem, reconstroem e mobilizam diferentes tipos de conhecimentos, saberes e habilidades fundamentais ao exercício profissional docente, tendo em vista que, muitos cursos de formação inicial e continuada ainda não fundamentam plenamente suas práticas e ações educativas, para além da concepção técnica de formação docente, fato esse não similar no que tange ao discurso pedagógico oficial.
Diante dessa breve reflexão, o desafio agora é aprofundar a discussão em torno dos espaços formativos, evidenciando elementos e aspectos importantes ditos e não ditos, considerados ou esquecidos no que tangem a formação docente, em especial a formação e ao desenvolvimento profissional de professores de Educação Física.
REFERÊNCIAS
ILHA; F.R. da S.; MARQUES; M.N.; KRUG; H.N. Grupo de estudos e pesquisas: uma possibilidade de desenvolvimento profissional de professores de educação física através da mobilização dos saberes docentes. In: Congresso Internacional da Educação, São Leopoldo: UNISINOS, p.1-12, 2009.
ILHA; F.R. da S.; KRUG; H.N. A licenciatura em educação física e seus espaços formativos. Revista Atividade Física, Lazer & Qualidade de Vida. Manaus, v.1, n.2, p. 52-75, Jun. 2011.
PÉREZ GÓMEZ, A.I. A função e formação do professor/a no ensino para a compreensão: diferentes perspectivas. In: SACRISTÁN, J.G.; GÓMEZ, A.I.P. Compreender e transformar o ensino. São Paulo: Artmed, 1998. p.353-374.
MARCELO GARCÍA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa. Portugal: Porto Editora, 1999.
[1] Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Pesquisadora Associada do Grupo de Pesquisa em Educação Física (GEPEF/UFSM).
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